sexta-feira, janeiro 27, 2023

Envelhecer é diferente de apodrecer


Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos você tem?
(Confúcio)

Eu, com certeza, seria velha, em qualquer momento. Devo ter nascido velha; assim, meio que uma versão de alma de Benjamin Button.

Não digo isso com orgulho, porque sei que é importante usufruir de todas as estações, seus ventos e temperaturas, mas eu tenho a sensação que pulei algumas etapas, e sinto isso quando percebo que não tenho saudade da minha infância. São poucas memórias de criança que me trazem uma sensação boa, a maioria me causa nostalgia pura. Mario Sergio Cortella diz que nostalgia é revisitar um lugar não pertencendo mais a ele. Talvez seja isso, não sei.

Pulando etapas ou não, meu coração se enche de gratidão quando percebo que sigo envelhecendo. Olhem só que privilégio! Envelhecer!

Quero aproveitar para compartilhar aqui com vocês um trecho belíssimo que acabei de descobrir o autor.
Parêntesis: Sim, nessa realidade digital, eu procuro confirmar os créditos das citações, e ainda assim, prefiro me referir a elas como palavras "atribuídas" a fulano ou ciclano, porque mesmo clássicos, como Fernando Pessoa e Clarice Lispector, não passaram incólumes a informações do tipo "fake".

O trecho a seguir, portanto, consta como sendo de autoria de um professor de literatura do Colégio Objetivo, em São Paulo, até seu último dia de vida, em 2008 - Professor Fernando Teixeira de Andrade.

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

Fernando Teixeira de Andrade

Você sabe o que é viver à margem de si mesmo? É não ir além do nosso umbigo.

É só entender e querer saber da vida o que nos diz respeito, o que nos afeta em nosso egoísmo, o que interfere na nossa programação, e o que nossos olhos alcançam a partir de uma única perspectiva - a nossa.

É a tal síndrome da música da Gabriela: eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim... Gabriela.... sempre Gabriela..." (*)

Mas o tempo da maturidade é esse tempo que o professor Fernando Teixeira diz, o tempo da Travessia.... Tempo de atravessar, transpor os limites da mesmice de nós mesmos.

Os óculos da maturidade são lupas de vida.

A proporção que as limitações de nossa visão clínica nos obrigam a nos determos mais nos detalhes das paisagens, aceitar a idade é concordar em usar óculos, é render-se à adaptação de um novo jeito de ver, de enxergar as coisas, um jeito melhor, porque não tem como enxergar o mundo e a si mesmo da mesma forma que fazíamos na juventude.

Estar maduro é ter um novo olhar sobre tudo, um olhar de investimento de tempo e reflexão sobre si, sobre sua história, suas colheitas, suas estiagens e inundações; e, com tantos vistos no passaporte do tempo, poder aprender com as diferentes perspectivas.


Ah, sim, a angústia é inevitável.
Só não vai se angustiar quem faz tudo no automático, quem não se incomoda com a perda de visão, quem prefere ignorar (ou de fato ignora) as referências. Alguém fala sobre o que está escrito na placa lá longe, você já não consegue mais ler, mas não se incomoda. Eu quero sim saber o que está escrito! Se eu não puder ler, quero ouvir alguém me dizer, e ser parte ativa dos momentos! Viver é estar atento!

Enquanto os mais novos ouvem falar de coisas que aconteceram no passado, a gente viveu essas coisas! A gente carrega a história nos nossos olhos, memórias e experiências, e, mesmo os maiores negacionistas não poderão tirar de nós essa vivência, muitas vezes até sofrida e dolorosa.

A gente olha para trás e lembra que nada do que foi será do jeito que já foi um dia.... E que isso é a vida. Ser intransigente, não aceitar mudanças, não estar sensível ao momento presente e refletir sobre inovações e transformações que ele traz, isso não é envelhecer, ou amadurecer, é parar no tempo, é apodrecer, sem servir a ninguém com seu sabor e savoir-faire.

A longevidade é poderosa, e sua angustia pode ter poder de cura. As muitas angústias que assombram o envelhecer, são as mesmas que podem fertilizar um renascimento pessoal, ainda que sem aparente glamour.

A angustia existe porque estamos humanos, e quando somos invadidos pela intensidade da vida, a lupa da maturidade nos revela que o tempo é dono de si, e não segue a nossa agenda; que a colheita é fatal, e que Deus vai muito além dos nossos conceitos; acreditar nele não nos blinda, mas nos equipa com uma visão superpoderosa da jornada, e nos livra de viver à margem de nós mesmos.

Se alguém afirmar: "Eu amo a Deus", mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê.

Bíblia Sagrada, 1 João 4:20

(*) Trecho da Letra de Modinha Para Gabriela
Compositores: Dorival Caymmi
 
 


terça-feira, janeiro 03, 2023

O SILÊNCIO DOS BONS E A CONTAMINAÇÃO DO MAL


"O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons"
(Martin Luther King)

Martin Luther King foi pastor, ativista e líder do movimento dos direitos civis nos EUA.
King recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1964 por seu engajamento no combate ao Racismo Norte Americano.
Hoje, o legado de Martin Luther King é inestimável não só para americanos, como para todo o mundo. Só que não foi sempre assim.

Durante o tempo em que militava e defendia sua causa, o FBI - que é o Departamento de Investigação Federal da Polícia dos EUA, investigou King por supostas coligações comunistas devido ao seu posicionamento político em favor dos pobres, e há registros inclusive de ameaças anônimas que ele recebia. Até que em abril de 1968, King foi assassinado por um homem de bem, que o considerava traidor, porque movia as pessoas em suas marchas para parar e enfraquecer o país política e economicamente.

O mundo gira, e voltamos frequentemente a lugares parecidos, e o pior: sem ter aprendido com as experiências de sofrimento que vivemos e presenciamos.

Já poderíamos ter aprendido que mal e bem não têm nome, não têm religião, não têm cor, roupa, ou gênero; mal e bem são como sementes, e sua fecundação vai depender da dispersão, do ambiente, de condições que favoreçam seu germinar e seu desenvolvimento, até que talvez possam ser reconhecidos por seus frutos.

Se nos calarmos diante dos frutos, da falta de lucidez, do fanatismo, da discriminação, da desigualdade social e da intimidação pelo medo e pela violência, estaremos favorecendo as condições para o mal se alastrar e se fortalecer. 

O silêncio dos bons não se revela exclusivamente em ações pontuais como, por exemplo, estar presente em passeatas, mas fundamentalmente no omitir-se e até no dividir forças quando o mal é iminente.

A política, por exemplo, deve ter sim representatividade, e os valores democráticos precisam ser praticados, mas o caminho da espiritualidade é individual no entendimento, e coletivo no amor, na comunhão e no respeito. Não existe supremacia religiosa capaz de governar em nome de Deus. Deus não tem partido, e nenhum partido legitima Deus. Deus é insondável.


sábado, abril 30, 2022

Política não se Discute?

 

Política, futebol e religião são assuntos polêmicos, e muita gente diz que “não se discute”.

Para início de conversa, nasci filha caçula, num lar cristão evangélico. Segundo detalhe: minha mãe foi funcionária pública, diretamente alocada em repartições de gestões governistas da região onde morávamos.  Logo, inevitavelmente, tive uma infância rodeada de políticos e de religião. Contudo, por mais que fosse uma relação de acordos e interesses subliminares sempre presentes, na dimensão visível, aparente, as esferas se auto geravam em suas respectivas práticas e costumes. Talvez eu pudesse dizer que sempre se beneficiaram, mas não esfregavam sua prostituição no nariz do povo, como quem exibe promiscuidade na rua.

Assim, desde que me entendo conscientemente como indivíduo, o modus operandis da política e da religião me avizinhava, e comprometia (e muito) meu modelo de vida na época.

Nada mais orgânico do que a intensidade da adolescência e da juventude potencializar essas influências, numa extremidade ou em outra, ou seja, como antagonista ou como partidária.

Ah! Esqueci de mencionar que meu pai sempre foi um aspirante a político frustrado. Ele tinha potencial, e teria tido oportunidade, não fosse a ditadura matriarcal familiar em que vivemos. Embora inserida no metiê, minha mãe nunca considerou apoiá-lo. Tinha lá os seus motivos e receios. Não vou entrar no mérito. Mas meu pai era estudioso, gostava demais de história, concluiu seus estudos já na fase adulta, e adorava uma oportunidade de mostrar que “entendia de política”.  Mesmo sem perceber, a caçulinha ia sendo contaminada pelas ideias, pelos discursos fervorosos, e, também - meio que por osmose - ia juntando os ingredientes do que era visto, ouvido e assistido.  Vale registrar a pouca coerência dos fatos.

Mas, e “quico”? O que é que eu tenho a ver com isso?

Olhando de frente para trás, daqui onde estou, acho que tenho uma leve noção de como esse histórico me afetou.

Viver num ambiente político religioso desde cedo, com o meu perfil observador e analítico, mesmo sem PNL (Programação Neurolingística), me habilitou para identificar alguns estereótipos, e atestar alguns princípios e convicções básicos. Exemplo: não espere coerência e integridade de políticos – sejam eles religiosos ou não.

Outra percepção que tenho é que o estilo comunicativo, sedento de conhecimento, e frustrado com a política que caracterizava meu pai, o colocava num posicionamento esquerdista, e por isso mesmo sempre munido de alternativas e contrapontos interessantes a respeito do momento político. E, como não existia rede social, era à mesa, ou no sofá, diante da TV, que as discussões aconteciam.

Por conta desses momentos de discussões, e por conta de algum dispositivo pessoal (imagino que isso também influencia), tornei-me uma fiel militante do PDT na adolescência. Sabe de uma coisa? Eu era mesmo é Brizolista. Rsrsrsrsrs

Daí em diante, minha trajetória seguiu sempre na via alternativa antigovernista. O que era praticamente inevitável para a época, visto que vivi minha adolescência durante o governo militar, e minha juventude - passando inclusive pelos meus tempos de faculdade – foi todo envolvido pelo movimento DIRETAS JÁ. 

Qual o saldo disso hoje para mim?

Tive experiências boas e ruins em todos os cenários. As boas não foram de natureza estritamente relacionada aos ambientes, portanto não foram suficientes, ou eficientes, para me fazer seguir. O que eu quero dizer é que o que eu vivi de bom na igreja e no ambiente de funcionalismo público eu trouxe comigo para uma outra dimensão de vida. O que me prenderia nesses sistemas é justamente o que deles não me representa.

Se eu estivesse escrevendo um livro, talvez coubesse relatar, caracterizar e analisar cada situação, mas este não é o meu foco. Estou apenas compartilhando uma reflexão em forma de panorama, com o objetivo de tentar fechar meu próprio raciocínio sobre os posicionamentos extremistas atuais, os aspectos não fundamentados que os identificam, e a rigidez dos celeiros da religião e do tradicionalismo que tem nos destruído. 

Futebol e religião, em tese, estão associados a questões intangíveis, que flertam com a paixão, com a irracionalidade, com sentimentos e experiências pessoais no âmbito inclusive de tradições e legados familiares de cunho emocional. Obviamente, sempre há espaço para considerações lógicas e congruentes, mas acaba sendo tolerável o extremismo, o  tal “não se discute”, em função da sensibilidade de sua nascente afetiva. 

Mas a política, ainda que igualmente polêmico - e controverso, e causticante - deveria ser mais que discutível, deveria ser conteúdo obrigatório na educação. Não para catequizar vertentes e posicionamentos, mas para semear conhecimento, ampliar a visão, alimentar o raciocínio, fundamentar a argumentação e encorajar uma discussão ética desde cedo. Mas sinceramente não sei se posso afirmar que isso é possível, considerando as peculiaridades do mundo digital, e da dissolução de sentido que tem feito derreter valores eternos e inegociáveis, e nos feito escorregar neles. 

Mas, voltando ao saldo, eu tenho hoje a seguinte opinião:

Política, em sua essência (embora totalmente perdida), não é time de futebol, e também não é uma religião; mas ela flerta sim com tradição, até com alguma paixão, e com muita experiência e conhecimento adquirido nos ambientes dessa experiência. Mas, acima de tudo, o assunto, em si, é feito pra ser discutido, refletido, considerado, e, se fizer sentido, também descartado; porém sem idolatrias, sem torcida organizada, sem celeiros, porque a política como conceito deveria ser uma ferramenta para promover mudanças e soluções em benefício dos povos,  cidades e nações. 

Entretanto, infeliz e paradoxalmente, “o político” segue sendo aquela figura que fatalmente será persuadido na sua ética frágil, que nos decepcionará, que se decepcionará, ou que se fartará do seu ego, e assumirá sua ganância e potencial demoníaco.

Na melhor das hipóteses, uma consciência política genuína incentivada nos ajudará no sentido de estarmos capacitados para exercer o papel cidadão de fiscalizar, reivindicar, se manifestar e votar sempre que possível para mudar o que não mostrar resultados; observando a história, o Curriculum Vitae, e a ética, mesmo frágil, mas que se revela justamente na história, no CV, e no discurso improvisado -  geralmente a boca fala do que o coração está cheio.

Decepções sempre virão.  Mas, como diz o ditado popular: “errar é humano, mas permanecer no erro... é burrice.

 Avante, pessoal! ;)

terça-feira, janeiro 04, 2022

Mundo Corporativo, Desperdício e Imbecilidade

 

Digo, sem medo de errar, que na mesma proporção em que muitos profissionais realmente qualificados e talentosos seguem em busca de uma oportunidade de trabalho em meio ao caos econômico vivido no país, empresas jogam dinheiro fora remunerando gente incompetente por meio de contratos diversos, simplesmente porque apostaram em indicações, informações cadastrais e experiência relacionada a vínculos empregatícios e funções anteriormente ocupadas.


Obviamente isso não é um padrão, mas é significativo o suficiente para impactar na qualidade do serviço e no desperdício com investimentos.

E mais: mesmo entre os atualmente “empregados”, tem gente mal gerenciada, frustrada, e acomodada na “segurança” financeira momentânea (o que é  até compreensível), e ainda tem os oportunistas de salários robustos que seguem ocupando a grade organizacional pendurados no fio de seus relacionamentos estratégico-interesseiros,  extorquindo tempo, informação e talento dos que fazem a coisa acontecer funcional e operacionalmente - que são os que menor impacto causam no budget de Headcount, por exemplo.

Sempre foi assim? Creio que sim. O que piora? A crise econômica, a janela virtual globalizada, e a valorização da cultura da imbecilidade.

Sigamos a processão.

quinta-feira, dezembro 02, 2021

Ordem dos Pastores Batistas de SP s/ Ed René Kivitz

 


A primeira vez que ouvi falar de Ed René Kivitz foi nos idos de 1993, eu tinha acabado de chegar em SP. Sua fama era de ousadia, contextualização das escrituras, pensamento à frente de seu tempo. Um herege. (risos) Mas, como, no Rio,  eu era "discípulo" de Caio Fabio, nada me perturbava.

Ao contrário: essa coragem de não seguir a fila, de sair da caixa, de ousar pensar, e dar ao cérebro o direito da potencialidade que lhe é devida me fascinava... Erros, acertos, vulnerabilidade, intensidade, tudo normal pra quem vive a angústia da peregrinação terrena.

Por meio de cristãos como eles, e também Ricardo Gondim, figuras ímpares e preciosas, fui resgatada de cavernas escuras, profundas e úmidas de aflições próprias do existir, e que haviam sido torturadas por dogmas, interesses, preconceitos e alienação da igreja na época.

 Ed, já deu, querido.

Convenhamos: isso era meio que inevitável. Faz parte do processo, da legitimidade da sua caminhada.
Mesmo nunca tendo sido uma versão genuína do projeto essencial do Reino, a igreja até já foi uma opção para o caminho da espiritualidade, contudo, chegou no ponto de mudança de estado. Agora ela congela ou evapora.

Você deve saber muito bem que pode ser e entregar dadivosamente tudo que Deus misericordiosamente lhe outorgou fora de mais essa "caixa".

Deus é contigo!


quarta-feira, outubro 13, 2021

A Voz do Sobrenatural


Ouvir Deus é como sentir um sussurro de amor, é como ser acariciado na alma pelo sobrenatural.

São muitas as ideias de alma, e, sinceramente, não tenho a pretensão de ter a melhor definição, é misterioso demais para minha insignificância humana (na perspectiva do divino, claro); mas quando "ouço Deus" (e eu sinto que ouço!), me parece um som de paz que vem de dentro.
Em meio a situações mais adversas, de angústia, conflitos, dúvidas, dor, enfim, quando tudo ao meu redor me desanima ("des-anima"), procuro buscar meu "ânimo" de volta na fonte que literalmente me "animou", que me encheu de vida.
Alma é um termo que deriva do latim anǐma, e refere-se ao princípio que dá movimento ao que é vivo, o que é animado ou o que faz mover.

Minha relação com a Bíblia, além de fonte histórica e literária, é de inspiração. Gosto de me alimentar das coisas bonitas que foram incorporadas à obra, porque creio que todo registro e produção da história da humanidade, sua relação com crenças e experiência espirituais serve de referência pra nossa caminhada terrena, pois, embora inseridos em épocas e cultura diferentes, no fundo, temos a mesma busca, a mesma sede, a mesma angústia: um elo perdido com o divino.
Digo isso para me valer dos versos de um profeta bíblico a quem foi atribuída muita coisa bonita no compêndio do Antigo Testamento: Jeremias.
"Buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração...." (29.13-14)
Palavras de consolo enviadas por ele (Jeremias) aos exilados na Babilônia, como mensagem recebida de Elohim (nome usado no original em hebraico referindo-se à natureza superlativa de Deus - Criador).

E é assim, dentro dessa perspectiva, que tenho buscado encontrar Deus, ouvir sua voz sobrenatural na trivialidade do dia a dia. O lugar onde mais intensamente me relaciono com sua voz é quando o busco no profundo de mim mesma e na relação de pertencimento com a natureza, com o universo, e na irmandade com o outro. É assim que consigo percebê-lo.

Deus é tudo em todos. Não existe caixinhas e definições que consigam contê-lo. 

quinta-feira, setembro 09, 2021

Fé, Religião e Política

 

Passei por muitos caminhos de reflexão nos últimos anos, e, boa parte deles, dentro de um ambiente religioso. Hoje, reconheço o que bem disse o poeta Antonio Machado em seu CANTARES: "Caminhante não há caminho, se faz caminho ao andar". O processo de elucidação, autoconhecimento ou espiritualidade acontece em nós enquanto vivemos, conforme nossas experiências, nossa predisposição de alma, nossa sede de pertencimento no cosmos, e nossa solicitude ao divino. E isso pode se dar dentro ou fora de uma religião.

O que tem acontecido no campo visível da podridão político-religiosa não tem nada a ver com a essência de uma fé genuína, da busca por conhecer e experimentar Deus.

Fé, religião e política é uma relação altamente prostituída, no pior sentido da palavra.

Mas isso não é de agora não, sempre foi assim. Aliás, de acordo com a história do Cristianismo, por exemplo, esse era o “grande sugador de energia” de Jesus. Seu tempo em forma de gente nesse plano foi para resgatar princípios e valores nas intenções e ações que nascem em nós, e nos instruir por inspiração e direcionamento do espírito que soprou sobre nós, pois aparentemente, nos perdemos na experiência humana. Nesse tempo, o que dele sabemos foi que viveu de forma pacífica, mas não passiva; que tinha eloquência para estar entre os doutores da lei, mas vivia entre pescadores; que andava com feridos, desprezados e marginalizados, que nunca usurpou poder ou glória para si, que usou as crianças como exemplo de pureza, e surpreendeu líderes religiosos, rompendo com tradições e hábitos que não priorizassem o amor.
A partir dessa sinopse, é absolutamente contraditória a linha de pensamento cristã-religiosa atual com a prática do Cristo a quem dizem seguir.

 

Igreja e Estado sempre tiveram um envolvimento inescrupuloso, interesseiro, e abusivo. A questão é que a variedade de “personas” no mercado religioso se multiplicou absurdamente, e isso pulverizou as teorias e promoveu uma produção em série de ídolos carnais esvaziados de valor. Por incrível que pareça, a impressão que eu tenho é que, no passado, Igreja e Estado tinham interesses mais evidentes na disputa pelo poder. Hoje, os estereótipos de fé trazem uma cortina de fumaça sobre as reais intenções. Fato é que isso não é novo. O que me frustra é a recorrência tão potencializada, em pleno Século XXI. Inacreditável que tenhamos chegado até aqui com tanto acesso à informação e conhecimento, e, ainda assim, haja espaço para propagação dessa “aura” do mal.

 

Deus é atemporal, eterno, insondável, transcendente, e inesgotável em ser. Ele não precisa do meu conceito a respeito dele para existir. Ele simplesmente é. Tentar decifrá-lo é quase exaustivo, não fossem os mistérios que nos colocam vulneráveis a experimentá-lo na dimensão genuína, pessoal e intransferível da fé de cada um de nós.
Portanto, é plenamente legítimo ter uma ideia de Deus. Mas o que vemos hoje não tem a ver com isso, o que vemos, e que se repete historicamente, tem a ver com um branding de fé, com logo, identidade visual, e público devidamente estabelecido; tem a ver com a comercialização de um conceito que deveria ser santo; tem a ver com a profanação do sagrado. Isso sim é um pecado*.

Certamente Deus recebe com amor nossa tentativa de decifrá-lo, seja como for, mas deve desprezar a ufania de quem torna isso um produto, com embalagem, branding e custo.

 

*  OBS: A palavra pecado deriva do latim ‘peccatum’, que remete a “tropeçar, dar um passo em falso; enganar-se”.


Envelhecer é diferente de apodrecer

Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos você tem? (Confúcio) Eu, com certeza, seria velha, em qualquer momento. Devo ter na...