terça-feira, agosto 18, 2009

Espelho, espelho meu...

A lenda de Narciso (surgida provavelmente da superstição grega) possui um simbolismo que fez dela uma das mais duradouras da mitologia. Narciso era um jovem de singular beleza. No dia de seu nascimento, um adivinho profetizou que ele teria vida longa desde que jamais contemplasse a própria figura. Indiferente, seu egoísmo provocou o castigo dos deuses. Ao observar o reflexo de seu rosto nas águas de uma fonte, apaixonou-se pela própria imagem e ficou a contemplá-la até consumir-se. Dizem que, no lugar onde ele morreu, nasceu uma flor, que ficou conhecida pelo seu nome: Narciso. Na psicanálise, o termo narcisismo designa a condição mórbida do indivíduo que tem interesse exagerado pelo próprio corpo.

Não sei exatamente quando o espelho passou a fazer parte da vida da humanidade, talvez em histórias como esta ou a da sereia IARA, das bruxas dos contos de fadas, mas no momento em que isto aconteceu, este simples objeto adquiriu proporções que ultrapassam a futilidade.

Todos nós, num dado momento, tememos o espelho. Quando jovens, nem tanto, porém, com o passar dos anos, começamos a evitá-lo e, ao mesmo tempo, ainda que disfarçadamente, a sós, parecemos ter certa necessidade de mirá-lo...

A mitologia é mesmo muito curiosa e interessante. O tempo passou, o mundo mudou, e aqui estamos nós, numa complexa relação com o tal espelho. E esta complexidade não se restringe ao físico, à cultura do corpo e suas exigências. Acho que inconscientemente, vivemos alguns conflitos com outro espelho...U
m suposto espelho que projeta o invisível de nossa intimidade, nossas frustrações, medos, que nos coloca frente a frente com o irreversível do que nos tornamos ao longo dos anos.
É complicado enxergar-se e reconhecer-se, sem de fato, compreender-se e admirar-se.

De certo há muito que se orgulhar, há grandes conquistas pessoais, sonhos realizados, até milagres... Mas, como talvez tenha tentado definir Fernando Pessoa:

"Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim।

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem।

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou।

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre -
Esse rio sem fim. "

Entre mim e o que em mim...
Entre quem eu de fato sou, e entre as minhas muitas imagens refletidas no rio; entre minha alma e minha vida vivida... Entre esses muito “eus”, corre um rio sem fim...
Um rio de frustrações, de dúvidas, incoerências, coisas pela metade, e também um rio de sonhos! Muitos sonhos. O que acredito ainda faz o rio correr... O nosso espelho d’água.

Se projetamos nossa imagem e a definimos a partir das relações com as pessoas e circunstâncias, estes (as pessoas e as circunstâncias) supostamente tornam-se nossos espelhos, e nós, espelho dos outros. Pense bem: Nesses relacionamentos espelhados, nos mais variados sentidos, há que se considerar as possíveis distorções, exageros, supervalorizações. Qualquer imagem sofre variações quando passa pelo outro, pelas coisas, e provavelmente comprometerão a reprodução do “eu”.

A visão mais confiável seria, então, aquela que não se projeta, mas que se revela na viagem ao centro de si mesmo.

"Preocupe-se mais com a sua consciência do que com sua reputação. Porque sua consciência é o que você é,e a sua reputação é o que os outros pensam de você. E o que os outros pensam, é problema deles." (Bob Marley)

Não é preciso ter uma história de vida perfeita, uma trajetória reta e sem imprevistos, nem tropeços, mas é bom ter consciência dos caminhos por onde já passamos, onde estamos e até onde pretendemos ir; sentir prazer e ver sentido em cada uma dessas etapas. Saber que o centro do universo não mora no nosso “umbigo” e que a vida e seus reflexos não se limitam a nós. Nossa vida não foi um acidente, por isso, somos mais do que o que nos mostra qualquer espelho.
Se conseguirmos considerar assim, tudo fica mais suave de se ver, e nossa imagem passa a ser refletida com inteireza, numa constante possibilidade de ver-se, rever-se, reverenciar-se e aperfeiçoar-se, em si, nos outros e em Deus.


Olho para o meu espelho e sei quem sou ereconheço minhas limitações.
Não me menosprezo, nem me ensoberbeço, apenas descanso na paz de amar a mim mesma e, assim, ser capaz de amar de verdade minha família, meus amigos, e até, de modo misterioso, aqueles com quem não convivo, mas que sofrem, têm fome (de todos os tipos), frio, e que podem cruzar fisicamente o meu caminho ou simplesmente ser parte do meu pensamento e de minha oração.

“Amar ao próximo com a si mesmo e a Deus, sobre todas as coisas”.

sábado, agosto 15, 2009

Reflexão de um beija-flor...

Queria poder voltar e sugar com diferente intensidade o néctar dos momentos passados, para fabricar substâncias mais perfumadas para o futuro.
Sinto que inspirei os ares que pairavam sobre os meus momentos como quem respira sem perceber, e vive simplesmente por estar respirando.

Queria poder reviver os instantes como uma abelha ou o beija-flor nas flores das minhas muitas idades...
Não posso voltar, nem inspirar os cheiros do passado, mas, hoje, talvez, com a sensibilidade apurada pela maturidade, possa saborear tudo que minha vida ainda exala e me deliciar com os vôos e e as diferentes estações...

Envelhecer é diferente de apodrecer

Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos você tem? (Confúcio) Eu, com certeza, seria velha, em qualquer momento. Devo ter na...