Tem horas que eu penso que não deve ser novidade pra
ninguém o Black Mirror em que vivemos, mas, olhando com mais atenção, lendo,
ouvindo e vendo coisas diariamente, eu tenho outra sensação - a sensação de que
tem gente que vive num universo paralelo de conceito, valores e comportamento.
Não é possível, que, tendo noção exata da realidade, essas pessoas entrem nesse
mar de ondas revoltas e se sintam numa ilha paradisíaca, com águas cristalinas
e pura bonança! É gente que aprendeu a editar a imagem da vida, gostou da
impressão que causa, e se alienou nessa imagem. E, sim, isso se torna um
universo paralelo de noção de vida. Aliás, pior, torna-se uma tendência
progressiva, que acaba por gerar um modelo, formatando não apenas
comportamentos, mas ideias, pensamentos e valores.
Desnecessário dizer que as redes sociais são vitrine desse perfil, até porque as redes são vitrines do mundo. O mundo fora da internet é um mundo que não existe mais. A percepção está invertida. Este mundo - real e não virtualizado - é que virou uma ilusão. E, nele, muita gente segue morrendo de fome, de doenças básicas e que poderiam ser tratadas, de frio, de falta de esperança, de tristeza, sem filtro.
Eu estou no mundo virtual. Tenho um perfil social e profissional, e tento viver antenada para não perder avanços relevantes que possam impactar minha rotina. Mais recentemente, inclusive, me envolvi com o recurso de Lives, e também procuro me beneficiar de novos modelos de trabalho que essa realidade virtual oferece. Sei que existem muitos que fazem o mesmo, e que, apesar dessa vitrine virtual mitomaníaca, conseguem manter um mínimo de sanidade, e, na contramão do falso modernismo, têm sólidos valores e ideais, com os quais se mantém engajados, e usa as redes para estendê-los; mas, ainda assim, me incomoda demasiado observar essa tendência midiática falsificada, porque tem sido uma maioria expressiva, e tem me “avizinhado” muito de perto…
Curiosa e inevitavelmente, essa vitrine padronizada e distorcida atravessa barreiras, e, embora tenha forte concentração na imagem pessoal, tem crescido e conquistado o âmbito profissional, e, obviamente, o político e o religioso - estes com fartura.
Parece que não existe mais um jeito diferente de se pensar e
fazer as coisas, um modo alternativo para realizar projetos, ou uma opinião
inusitada sobre um ou outro método e conteúdo. Tudo virou remédio. Tudo tem bula,
mestres, doutores e especialistas. Temos conhecimento disponível num clique,
mas escolhemos copiar e seguir o “passo a passo” e, depois, criar a própria
bula para o passo a passo que seguimos, e por aí vai. Não vai sobrar um leigo
sequer nesse mundo!
Mas eu ainda vejo isso como um universo paralelo possível de ser desativado, ou mantido em modo silencioso. Como? Ainda não sei, mas sei que deve ser lento, preciso e constante; e que isso tem a ver com não nos deixarmos afetar, nem calar, ou se abater. O tal silêncio dos bons, que já incomodava o perseverante Luther King, não pode seguir existindo.
Historicamente, as novidades sempre chegam, evoluções
aparecem, transformações acontecem. Isso é parte do processo. Contudo, chega a
hora em que essas coisas precisam ser filtradas, ou passadas por uma peneira de
valor e sentido maior, para prosseguirmos impactados - talvez não ilesos, mas
recuperados, curados, e amadurecidos como frutos saudáveis da árvore da vida.
Os olhos são a vitrine da alma. E isso, numa realidade empírica de vida transcendente, nunca vai mudar.
Ser fake é mais que uma opção, é um cárcere de consciência.