Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos você tem?
(Confúcio)
Eu, com certeza, seria velha, em qualquer momento. Devo ter nascido velha; assim, meio que uma versão de alma de Benjamin Button.
Não digo isso com orgulho, porque sei que é importante usufruir de todas as estações, seus ventos e temperaturas, mas eu tenho a sensação que pulei algumas etapas, e sinto isso quando percebo que não tenho saudade da minha infância. São poucas memórias de criança que me trazem uma sensação boa, a maioria me causa nostalgia pura. Mario Sergio Cortella diz que nostalgia é revisitar um lugar não pertencendo mais a ele. Talvez seja isso, não sei.
Pulando etapas ou não, meu coração se enche de gratidão quando percebo que sigo envelhecendo. Olhem só que privilégio! Envelhecer!
Quero aproveitar para compartilhar aqui com vocês um trecho belíssimo que acabei de descobrir o autor.
Parêntesis: Sim, nessa realidade digital, eu procuro confirmar os créditos das citações, e ainda assim, prefiro me referir a elas como palavras "atribuídas" a fulano ou ciclano, porque mesmo clássicos, como Fernando Pessoa e Clarice Lispector, não passaram incólumes a informações do tipo "fake".
O trecho a seguir, portanto, consta como sendo de autoria de um professor de literatura do Colégio Objetivo, em São Paulo, até seu último dia de vida, em 2008 - Professor Fernando Teixeira de Andrade.
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
Fernando Teixeira de Andrade
Você sabe o que é viver à margem de si mesmo? É não ir além do nosso umbigo.
É só entender e querer saber da vida o que nos diz respeito, o que nos afeta em nosso egoísmo, o que interfere na nossa programação, e o que nossos olhos alcançam a partir de uma única perspectiva - a nossa.
É a tal síndrome da música da Gabriela: eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim... Gabriela.... sempre Gabriela..." (*)
Mas o tempo da maturidade é esse tempo que o professor Fernando Teixeira diz, o tempo da Travessia.... Tempo de atravessar, transpor os limites da mesmice de nós mesmos.
Os óculos da maturidade são lupas de vida.
A proporção que as limitações de nossa visão clínica nos obrigam a nos determos mais nos detalhes das paisagens, aceitar a idade é concordar em usar óculos, é render-se à adaptação de um novo jeito de ver, de enxergar as coisas, um jeito melhor, porque não tem como enxergar o mundo e a si mesmo da mesma forma que fazíamos na juventude.
Estar maduro é ter um novo olhar sobre tudo, um olhar de investimento de tempo e reflexão sobre si, sobre sua história, suas colheitas, suas estiagens e inundações; e, com tantos vistos no passaporte do tempo, poder aprender com as diferentes perspectivas.
Ah, sim, a angústia é inevitável.
Só não vai se angustiar quem faz tudo no automático, quem não se incomoda com a perda de visão, quem prefere ignorar (ou de fato ignora) as referências. Alguém fala sobre o que está escrito na placa lá longe, você já não consegue mais ler, mas não se incomoda. Eu quero sim saber o que está escrito! Se eu não puder ler, quero ouvir alguém me dizer, e ser parte ativa dos momentos! Viver é estar atento!
Enquanto os mais novos ouvem falar de coisas que aconteceram no passado, a gente viveu essas coisas! A gente carrega a história nos nossos olhos, memórias e experiências, e, mesmo os maiores negacionistas não poderão tirar de nós essa vivência, muitas vezes até sofrida e dolorosa.
A gente olha para trás e lembra que nada do que foi será do jeito que já foi um dia.... E que isso é a vida. Ser intransigente, não aceitar mudanças, não estar sensível ao momento presente e refletir sobre inovações e transformações que ele traz, isso não é envelhecer, ou amadurecer, é parar no tempo, é apodrecer, sem servir a ninguém com seu sabor e savoir-faire.
A longevidade é poderosa, e sua angustia pode ter poder de cura. As muitas angústias que assombram o envelhecer, são as mesmas que podem fertilizar um renascimento pessoal, ainda que sem aparente glamour.
A angustia existe porque estamos humanos, e quando somos invadidos pela intensidade da vida, a lupa da maturidade nos revela que o tempo é dono de si, e não segue a nossa agenda; que a colheita é fatal, e que Deus vai muito além dos nossos conceitos; acreditar nele não nos blinda, mas nos equipa com uma visão superpoderosa da jornada, e nos livra de viver à margem de nós mesmos.
Se alguém afirmar: "Eu amo a Deus", mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê.
Bíblia Sagrada, 1 João 4:20
Compositores: Dorival Caymmi
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