quinta-feira, dezembro 01, 2011

Carta à Jornalista Eliane Brum (Revista Época)

Para entender melhor meus comentários, aqui está o link da matéria da Eliane: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2011/11/dura-vida-dos-ateus-em-um-brasil-cada-vez-mais-evangelico.html#header_comentarios

A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico

Prezada Eliane,

Bom dia (ou boa tarde, ou boa noite... Afinal, não sei em que momento você terá oportunidade de ler minha mensagem).

Peço licença para invadir sua caixa de e-mails, e espero que meus comentários sejam recebidos e considerados com a mesma disposição que me conduziu ao escrevê-los.

Pelo assunto acima descrito, você obviamente sabe que tive a chance de ler seu artigo a respeito. Muito bom o artigo, por sinal. Mas, não vou ser hipócrita e dizer que gostei de ler. O artigo está muito bem escrito, e seus comentários são pertinentes, bem fundamentados e criativos. Contudo, talvez justamente por fazer sentido, sua constatação me incomoda.  Mas eu gostaria de compartilhar com você mais do que esta constatação da febre denominacional religiosa sem controle, fanática e irracional. Eu quero (quem sabe) tentar fazer você perceber que a “coisa não é tão feia quanto você imagina”, e que pode ser vista sob um outro ângulo.

Vou te dizer que entendo perfeitamente o seu sentimento. Já estive em situação de igual desconforto, porém com um preconceito muito mais evidente e bulling descarado. Sabe quando? Durante toda minha infância,  adolescência e parte da juventude. (Tudo bem que naquela época eu nem sabia o que era bulling. Risos)
        
Sou cristã evangélica de “berço”, e devo te confessar que a vida não era assim tão fácil – embora eu tenha saudade de alguns aspectos que a caracterizavam.
Ser “crente” na minha época era ser sacaneado (perdão pelo termo) e discriminado na escola; era ser vítima de musiquinhas depreciativas que rimassem com palavras chulas e feias e ser rotulados de “Bíblia” e “pouco inteligente”. E olha que não havia nenhum movimento, nenhuma conscientização coletiva, nem qualquer tipo de código de Lei e conduta que nos protegesse ou beneficiasse para que, na possibilidade de uma denúncia, os “não-Bíblia” se intimidassem.  Havia uma premissa evidente de que éramos desprovidos de cérebro por professarmos uma fé que, na ocasião, sustentava também um certo padrão de hábitos e comportamentos “caretas”.
    Como você pode ver, sei bem como era dura a vida de um cristão quando o Brasil não era assim tão “evangélico”, e posso te garantir que não era mesmo nada agradável e bem menos passível de uma convivência saudável entre desiguais. Era tão evidentemente discriminativo que eu me recordo de “me envergonhar” de ter que dizer para uma amiguinha que era “crente”. Ou seja, o que você diz sobre “cada um professar a fé ou não-fé que quiser” não era sequer passível de discussão. Mas, por motivos os mais variados, intrigantes e interessantes, isso mudou.

Em seu artigo, você diz que o seu interesse é tentar compreender como essa porção cada vez mais numerosa de fiéis está mudando a forma de ver o mundo e de ser brasileiro.  Acho muito positivo o interesse, mas discordo do foco de sua reflexão. Tentar discutir esta mudança de comportamento perguntando “Por que os ateus  são uma ameaça às novas denominações evangélicas”, em minha opinião, não é o melhor caminho , nem é uma análise desprovida de “conflito de interesse”. Talvez fosse mais proveitosa uma abordagem menos pessoal, o que não desconsideraria em nada muitas das questões levantadas em seu artigo, como, por exemplo,  a igreja como vitrine de consumo, shopping de fé, etc.  Esta é uma “cara” diferente do protestantismo que merece discussão, até para arriscarmos não só entender como isso influencia o povo, mas também para tentar – quem sabe - “livrar” alguns um pouco mais esclarecidos de uma provável “lavagem cerebral”  de gente mal intencionada.
Deixe-me colocar um parêntesis aqui:  eu ainda acredito que essas coisas passarão, e que os caráteres se revelarão, e que os que nisso se envolverem por uma boa causa e um bom coração, de um jeito ou de outro, sairão ilesos e, ao fim, seja como ou onde for,  todos receberão suas partes neste latifúndio...

Bem, Eliane, embora não tenhamos afinidade de “fé”, saiba que essas versões  “sem eira nem beira”  da religião protestante também muito me desagradam. Algumas atitudes de seus líderes inclusive ferem bases fundamentais e primárias do cristianismo a que se dizem seguidores. É realmente um absurdo. Mas gostaria que você procurasse descobrir outros perfis de cristãos evangélicos e os considerasse em suas investigações. Pude perceber que você conhece razoavelmente o perfil sócio-cultural-comportamental deste grupo, o que demonstra seu grau de competência profissional. Acho isso bárbaro. De verdade. Por este motivo, achei que valeria a pena te enviar uma mensagem.

Quero te trazer para o meu ponto de vista dessa mudança no “jeito de ser” da fé no Brasil.
Como alguém que foi vítima de preconceito religioso no passado, é claro que eu prefiro viver num momento do país onde a minha fé é, digamos, “bem vista”. Além desta, existem outras razões para eu “preferir“ este momento, afinal, eu também evoluí. As bases em que foram fundamentados meus conceitos religiosos foram sólidas em seus princípios, mas falhas em seus dogmas e processos. Óbvio. Tudo que passa pela compreensão do homem está passível de erro. Mas, com o passar dos anos, o acesso às informações e a curiosidade pessoal, fui descobrindo riquezas da história e da cultura cristã que não eram sequer consideradas, e detritos supervalorizados que não fariam a menor diferença se desprezados.  Assim, fui definindo uma opção pessoal da minha prática de fé, e, com outros que compartilham desta mesma experiência, tenho caminhado. Nesta caminhada, algumas coisas são inegociáveis, e outras flexíveis a uma nova compreensão. E este é o meu ponto de vista. O mundo vem mudando, e isso traz vantagens e desvantagens. Temos que examinar tudo e reter o que for proveitoso.  Você bem sabe que toda transformação no mundo passou por essas aberrações.
Não se deixe surpreender somente por casos como o das filhas da Baby e do Pepeu Gomes. Permita-se descobrir que, de repente, eu e você podemos caminhar juntas de verdade, contribuindo com os nossos conceitos flexíveis para uma vida abundante no real sentido que dela pudermos extrair como seres pensantes.  O taxista não deve ser o seu referencial único. Convenhamos; às vezes, fica difícil argumentar qualquer tipo de assunto com determinados “personagens” do dia-a-dia, não é? Há que se relevar, ajustar o canal, e buscar outras sintonias para a convivência. Isso não acontece só relacionado a religião.

Te convido a conhecer muita gente que está disposta a caminhar com ateus. Prometo não tentar “te converter”( Risos).  Mesmo porque, Eliane, se Deus existe ou não existe, de verdade, não depende em nada do que eu e você pensamos a respeito! Ele decididamente não deve precisar de nossa opinião para existir.

Obrigada por me “ler”, e parabéns por seu trabalho.

Um abraço.

Elizabeth Bittencourt de O. Furtado


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