quarta-feira, setembro 16, 2020

Estou Cansada de Tanta Hipocrisia Religiosa (TEXTÃO)


Para situar vocês, leitores, devo dizer que tenho berço cristão, evangélico. Mas já adianto que na  minha época ser "crente" não era modismo, e não tinha visibilidade em mídias. 

Vivi minha infância, adolescência e parte da juventude num ambiente religioso, e boa  parte desta época, estive submetida a doutrinas comportamentais rígidas, que me constrangiam, e tornavam meu  temperamento extrovertido e questionador um problema. Para mim, sempre foi muito difícil seguir algo que não  entendesse; por isso mesmo, comecei ler e estudar a bíblia bem cedo, ainda na adolescência.  Aproveitei que a igreja incentivava a atividade, e me dediquei com afinco. As dúvidas eram  milhares, e os encantamentos idem. 

Pra mim, a noção de um Deus nunca foi questionável do ponto  de vista de sua existência, isso sempre foi muito tranquilo, e segue sendo até hoje. Mas os cenários, a cultura, as simbologias, as personagens, a variedade de  interpretações, etc, isso era questionável, e esses questionamentos me angustiavam  profundamente, principalmente pelo fato do tema me ser tão caro, por eu ter uma vontade  sincera e intensa de oferecer o que havia de mais genuíno em mim, sentir que meu  coração ardia pelas questões espirituais, me emocionar, e não me  sentir parte, não me identificar como gostaria.

Eu não sei dizer precisamente em que momento a igreja evangélica mudou. Ou melhor:  A igreja não mudou. Acho que lentamente algumas instituições e líderes foram se popularizando, flexibilizando suas  doutrinas rígidas, outros foram aderindo à moda, e  foi ficando fácil  pertencer. Eu não acompanhei de perto esse processo “evolutivo”, pois, num dado momento, antes  disso, eu já não estava mais conectada como membro ativo daquela comunidade de fé.

Muita coisa aconteceu na minha vida pessoal: Faculdade, um casamento precoce (com o primeiro e único namorado) se desfez, descobertas de traições de vários tipos, mudanças radicais de postura, e uma nova busca  por entendimento de vida e noção das coisas. Lá estava eu. Aproveitei que a terra estava toda  remexida debaixo dos meus pés, e fechei um “pacote” com Papai do Céu: Eu não o largaria por  nada nesse mundo, mas eu queria poder ser quem eu realmente era. Transparente, com dúvidas  e certezas (poucas), disposta a novos aprendizados, conhecer e se dar a conhecer, e chegar o  mais próximo que pudesse da Sua essência. Nosso pacote considerou meus erros e o seu perdão,  seus desígnios e minhas muitas dificuldades de entender alguns deles. Mas prosseguimos,  sempre juntos. E, olha… Ele nunca me deixou… (esta é a parte em que eu choro!) 

O pacote segue vigente, e continuo meu aprendizado diário. 

Voltando à Bíblia.

Desde a primeira vez que me propus a estudar, até os dias atuais, minha leitura nunca  foi única, nem isolada. E isso sempre me fez muito bem. Eu fui mudando, amadurecendo, descobrindo novos estudos das literaturas e das teorias de mundo, sociedade, raça  humana; lendo e interagindo com outras propostas reflexivas, e sempre incorporando um novo  olhar sobre o panorama histórico-cultural da Bíblia. Nada, neste meu exercício de  conhecimento, me roubou a fé, nem diminuiu Deus, muito pelo contrário. 

Agora vemos apenas um reflexo obscuro, como num espelho; mas, então, veremos face a face.  Agora, conheço em parte, então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou  conhecido.” (Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios, cap 13, vs 12)  Desde que entendi este trecho, percebi que minhas incertezas seriam frequentes.

A Bíblia é, sem dúvida, uma obra fascinante, fruto de muita dedicação e trabalho minucioso de especialistas, e traz até nós uma história preciosa e poderosa da revelação de Deus: o AMOR, neste caso, feita na figura de Jesus Cristo.

Sei bem que são poucos os humanamente privilegiados, com acesso à leitura, ao estudo, e  conhecimento mais profundo da Bíblia como literatura. E, obviamente, não amarro esta  condição à fé de ninguém, e nem à ação divina. Deus vai muito além da nossa intelectualidade.  

Aqui, eu talvez consiga conectar meu raciocínio às recentes ocorrências envolvendo  evangélicos famosos, como, por exemplo, a Ana Paula Valadão. 

Dentre os poucos privilegiados, eu arriscaria dizer que Ana Paula Valadão é uma pessoa com o excelente acesso à informação, estudo e conhecimento de modo geral. Então, não me  sinto expondo fragilidade de ninguém.

Quero começar dizendo que não a recrimino pelo  entendimento de fé que adquiriu, muito menos por suas experiências pessoais com esta fé.  Olhando de longe sua caminhada, vejo conquistas, e também  identifico avanços significativos no uso de recursos - didáticos e de infraestrutura - para fazer sua  missão evangelística alcançar e transformar vidas. Os projetos  primários do Diante do Trono, os investimentos, as oportunidades de emprego e voluntariado,  e por aí vai… Na minha opinião, isso é muito positivo. Só não consigo associar esta gama de  conhecimento e recursos com tanto engessamento cognitivo e  falta de sabedoria na manifestação  do amor do Cristo.  A conta não fecha. Pergunto-me se ela  perdeu a mão em algum momento, se preferiu não transcender em conhecimento para investir num império “business-Gospel”, ou  se é uma questão de limitação mesmo. Na minha cabeça, parece um desperdício ( porque escolhi não considerar má fé). 

Seus posicionamentos recentes me fazem pensar o seguinte: 

a) Falta um mínimo de empatia!  

É mais ou menos como estar diante de uma pessoa com câncer terminal, sorrir, e dizer: “Olha,  eu vim aqui dizer que Jesus te ama, mas tenho que te lembrar que o salário do pecado é a morte,  portanto, muito provavelmente, isso tudo que está te acontecendo tem a ver com coisas erradas  que você fez”; 

b) É uma prática religiosa que escolhe pecados

Evita-se jogar luz em questões culturais relacionadas à evidente promiscuidade dos reis com suas muitas  concubinas, em prováveis relacionamentos incestuosos pós criação do mundo, em crimes de guerra em nome de Deus, no sacrifício das doutrinas de restrições  alimentares; e até flexibiliza-se o divórcio (antes tão maldito, mas que já foi contemporizado), mas sustenta-se que existe uma operação  diabólica na homossexualidade, ou seja, legisla-se em nome de seus próprios preconceitos e dificuldade de entendimento, pois, a  grande verdade é que a grande maioria de nós desconhece totalmente os conflitos íntimos de alguém que vive esta crise de identidade;

c) Desperdiça-se  a potencialidade, transcendência e magnitude de Deus Coloca Deus na  caixinha do seu próprio entendimento, e navega por um mar de águas paradas, onde nada muda nunca, nem a maré;

d) Não se contextualiza a mensagem do Evangelho

A personagem de  Jesus Cristo, sua mensagem, sua experiência humana, a proporção de sua  interferência na história, tudo mantém-se arraigado unicamente a leis e profecias do Antigo Testamento. Isso é desprezar a história e sua continuidade,  as circunstâncias, as épocas, e repetir uma noção de fé estática no tempo.  Qualquer um que resume um compêndio bíblico num livro de prática religiosa  única e com verdades absolutas  imutáveis não está sensível ao sentido de vida e ao tamanho de Deus.

Quero deixar aqui registrado que não estou associando o entendimento bíblico filosófico à fé de  ninguém. Pra mim, são coisas que não precisam estar necessariamente atreladas. Conheço  pessoas humildes, que nunca tiveram oportunidade sequer de serem alfabetizadas, que vivem  uma fé gigante, e que são sensíveis e usadas por Deus; muitas seguem suas restrições doutrinárias, e o fazem de  forma genuína. Seria crueldade minha julgá-las, e obviamente um Deus que é amor em essência enxerga isso melhor que eu.

A questão que trago nos meus comentários tem a ver com a manipulação do conteúdo bíblico  de modo insensato e até leviano. Por trás de aparência de santidade, há atitude presunçosa e  ambição de celebridade. E, no alastramento desses perfis, tudo vai se confundindo, e a essência  vai se perdendo. 

Sobre a Ana Paula (e com ela muitos outros), até um tempo atrás, eu só “lamentava”, mas,  ultimamente, tenho me incomodado bastante. Não que eu já tenha compreendido toda  a inteireza bíblica, nem que tenha todas as respostas sobre vida espiritual, mas a minha fé  se fundamenta numa experiência transcendente com um Deus que é essencialmente fonte de vida e amor, e Ele não cabe  inteiro em uma religião. Eu o reconheço quando o “sinto", é como se dentro em mim  algo o identificasse (tipo o Espírito Santo, sabe? ), e me ajudasse a discernir a linhagem espiritual diante de mim. Não quero parecer pretensiosa falando assim, mas essa foi uma descoberta empírica  em minha vida, e cansei de negligenciá-la, enquanto tantos absurdos são falados e feitos por aí em nome de Deus, sem qualquer pudor. 

E, neste sentir, devo dizer que:

Não ouço Deus na voz de gente que fala sobre dores que não são suas com  autoridade de quem leiloa o céu. Não sinto Deus em quem não chora com os que choram, gente que se importa e privilegia credo, cor, gênero, orientação, status; e também não vejo Deus em quem mistura e compromete fé com “politicagens”, e usa a religião em benefício próprio - alguns até para camuflar seus delitos e perversidades. Gente que grita textos bíblicos como jargões de guerra, desprezando a beleza e o valor de sua simbologia.

A voz de Deus é como uma brisa suave, que sopra sobre todos, e que se encarnou na figura de Jesus para revelar sua essência de amor, para que todos os sedentos e famintos pudessem ser saciados, e colocou em cada um de nós o seu Espírito, para que pudéssemos ser também sua  voz, socorro, alimento, aconchego; pois nele somos um, parte do mesmo TODO, que é fonte de vida,  paz, justiça e amor.

Lamento e me incomodo muito com Anas, Flordelises, Macedos, Malafaias (a lista é enorme), mas também me incomodo com os ordinários desconhecidos do dia a dia, que preferem o comodismo do seu silêncio do que o confronto das pequenas lutas diárias por um discurso mais transparente, para não comprometer suas mordomias privilegiadas, nem as riquezas mal distribuidas no mundo, inclusive em nome de uma teologia de prosperidade criada pra sua vaidade! 

Sei, na minha pele, que muitos se calam sim por comodidade e oportunismo. Como citei no início do texto,  eu questionava e buscava entender  coisas simples que, hoje em dia, depois de toda a customização da fé, a galera evangélica usufrui  na boa, e que, na época, eu não tive um eco sequer.  Aí, você pode me dizer: “Que bom que pelo menos mudou!”, eu digo que não celebro coisas conquistadas por modismos; eu celebro vitórias de esforços dignos, lógicos e devidamente assimilados.

Minha fé não é inabalável porque não muda, ela muda sim, mas não se desfaz; se ressignifica na renovação do meu entendimento, conforme vou vivendo, experimentando novos desafios e amadurecendo. 

É mais ou menos isso que eu esperaria de uma mulher culta, líder religiosa, que sabe inclusive distinguir uma bota Piton de outra qualquer - que sua visão de fé e espiritualidade acompanhasse o restante do seu desenvolvimento e investimento.

Desculpem o textão de desabafo, mas é inominável gente que para no tempo só para o que lhe convém, e segue fazendo discípulos, e machucando pessoas.


quinta-feira, setembro 10, 2020

Sobre Falar e Escrever Errado - Meu Preconceito Linguístico


Já fui remunerada para ensinar as pessoas sobre escrever corretamente, e ainda vejo valor e uso apropriado para isso. Mas já há algum tempo venho me sensibilizando com os “falares” do povo, e refletindo quão “classe dominante” esta prática pode parecer.

Registrar graficamente correto uma expressão é uma cobrança quase cruel, e rouba do falante o tom e o valor do tão na moda “lugar de fala”.

Somos prepotentes com a linguagem que adquirimos por sorte ou consequência social, acadêmica, de privilégio, ou coisa semelhante.

Esquecemos (ou não sabemos) que até chegar a ser estabelecido como correto, o uso das palavras nasceu, viajou e morou em muitas bocas, tribos, e classes; e só então, ao se tornar parte legítima de um grupo linguístico expressivo, essas palavras foram incorporadas e registradas em dicionários, e corrigidas pelos falantes “cultos”.

Faz tempo que parei de criticar quem escreve errado. Entendi que o fluir do pensamento é o que mais importa, e que isso é um direito natural do ser: expressar-se; e só por isso chegamos às artes, às literaturas, e a língua institucionalizada como culta.

As redes sociais tornaram as pessoas potenciais blogueiras da noite pro dia. Cada um tem lá o seu momento celebridade nas fotos do seu perfil, em suas receitas, e em seus “dizeres”. Eu mesma sou uma dessas pessoas. Acontece que a internet é um recurso traiçoeiro, porque nos passa a falsa impressão de que temos o mundo nas telas e na ponta dos dedos, mas faz com que nos sintamos falsamente protegidos por não estarmos presencialmente expostos, e alimenta nossa coragem voraz e nossa covardia inconsciente.

No meio de tudo isso, surge tudo que temos visto escandalizados nos últimos tempos.

Mas acontece que, curiosamente, em meio a tanta vergonha alheia, existe uma pequena chama de coisas interessantes, de conteúdo, que muito provavelmente uma editora não publicaria, mas que encontra neste espaço a sua oportunidade de compartilhar, ecoar e verdadeiramente abençoar a muitos.

Por exemplo: alguns ilustres desconhecidos têm curtido minhas postagens no Instagram, e eu, por curiosidade, fatalmente, vou dar uma sondada no perfil deles. Como descobri coisas legais!

São pessoas que seguem hashtags (olha só aqui o neologismo registrado sei lá como!) que eu coincidentemente coloquei nas postagens, e se interessam por coisas que eu também me interesso. Perfeito. Faz sentido.  Mas, para minha surpresa, encontrei tanto conteúdo e sentimentos bonitos e válidos em textos “mal escritos”. Opa! Não! Digamos, textos “escritos fora do padrão da norma culta da língua portuguesa”. Isso é justo? Não. Não é justo.

Daí vocês me dirão: mas um político com cargo de Ministro da educação escrever errado? Minha gente, convenhamos: oxalá ele só escrevesse errado!!!

Conheço efeitos contrários aos montes por aí. Gente que articula um discurso eloquente e de palavras difíceis, mas que carrega uma polidez diabólica, e que usa a ferramenta linguística a favor de seu despotismo, de seus crimes e seduções. Isso também não é justo!

Estou num momento de rever muitas coisas, dentre elas, inclusive nossos preconceitos relacionados ao aprendizado normativo que muitos tivemos, e o mesmo em relação à enormidade de conteúdo humano perdida por este mundo afora debaixo de falta de recursos de duplo sentido:  luz, voz, linguagem, atenção; e todos os demais já socialmente conhecidos: acesso, ensino, estrutura, saúde, etc.

No momento, não consigo ajudar diretamente essas pessoas, mas vou começar não julgando os falares e as grafias. É o mínimo. Quem sabe pode ser transformador?!


Envelhecer é diferente de apodrecer

Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos você tem? (Confúcio) Eu, com certeza, seria velha, em qualquer momento. Devo ter na...