Passei por muitos caminhos de reflexão nos últimos anos, e, boa parte deles, dentro de um ambiente religioso. Hoje, reconheço o que bem disse o poeta Antonio Machado em seu CANTARES: "Caminhante não há caminho, se faz caminho ao andar". O processo de elucidação, autoconhecimento ou espiritualidade acontece em nós enquanto vivemos, conforme nossas experiências, nossa predisposição de alma, nossa sede de pertencimento no cosmos, e nossa solicitude ao divino. E isso pode se dar dentro ou fora de uma religião.
O que tem acontecido no campo visível da podridão
político-religiosa não tem nada a ver com a essência de uma fé genuína, da
busca por conhecer e experimentar Deus.
Fé, religião e política é uma relação altamente prostituída, no pior sentido da palavra.
Mas isso não é de agora não, sempre foi assim. Aliás, de acordo com a história
do Cristianismo, por exemplo, esse era o “grande sugador de energia” de Jesus.
Seu tempo em forma de gente nesse plano foi para resgatar princípios e valores
nas intenções e ações que nascem em nós, e nos instruir por inspiração e
direcionamento do espírito que soprou sobre nós, pois aparentemente, nos
perdemos na experiência humana. Nesse tempo, o que dele sabemos foi que viveu
de forma pacífica, mas não passiva; que tinha eloquência para estar entre os
doutores da lei, mas vivia entre pescadores; que andava com feridos,
desprezados e marginalizados, que nunca usurpou poder ou glória para si, que
usou as crianças como exemplo de pureza, e surpreendeu líderes religiosos, rompendo
com tradições e hábitos que não priorizassem o amor.
A partir dessa sinopse, é absolutamente contraditória a linha de pensamento
cristã-religiosa atual com a prática do Cristo a quem dizem seguir.
Igreja e Estado sempre tiveram um envolvimento
inescrupuloso, interesseiro, e abusivo. A questão é que a variedade de “personas”
no mercado religioso se multiplicou absurdamente, e isso pulverizou as teorias
e promoveu uma produção em série de ídolos carnais esvaziados de valor. Por
incrível que pareça, a impressão que eu tenho é que, no passado, Igreja e
Estado tinham interesses mais evidentes na disputa pelo poder. Hoje, os estereótipos
de fé trazem uma cortina de fumaça sobre as reais intenções. Fato é que isso não
é novo. O que me frustra é a recorrência tão potencializada, em pleno Século
XXI. Inacreditável que tenhamos chegado até aqui com tanto acesso à informação
e conhecimento, e, ainda assim, haja espaço para propagação dessa “aura” do
mal.
Deus é atemporal, eterno, insondável, transcendente, e
inesgotável em ser. Ele não precisa do meu conceito a respeito dele para
existir. Ele simplesmente é. Tentar decifrá-lo é quase exaustivo, não fossem os
mistérios que nos colocam vulneráveis a experimentá-lo na dimensão genuína,
pessoal e intransferível da fé de cada um de nós.
Portanto, é plenamente legítimo ter uma ideia de Deus. Mas o que vemos hoje não
tem a ver com isso, o que vemos, e que se repete historicamente, tem a ver com um
branding de fé, com logo, identidade visual, e público devidamente
estabelecido; tem a ver com a comercialização de um conceito que deveria ser santo;
tem a ver com a profanação do sagrado. Isso sim é um pecado*.
Certamente Deus recebe com amor nossa tentativa de
decifrá-lo, seja como for, mas deve desprezar a ufania de quem torna isso um
produto, com embalagem, branding e custo.
* OBS: A palavra pecado deriva
do latim ‘peccatum’, que remete a “tropeçar,
dar um passo em falso; enganar-se”.