quinta-feira, junho 09, 2011

Só Eu...


Seja como for, uma hora ou outra, a gente
acaba esbarrando na dor de perceber que, como disse a admirável Clarisse Lispector, ninguém é eu, e ninguém é você. Esta é a solidão
”.
Por mais que eu acredite, por exemplo, que Deus habita em mim; Ele, em mim, também tem que conviver comigo!
Esta premissa minimiza bastante os fatos, mas certas coisas vão continuar sempre dependendo só de mim. Haverá sempre uma discreta e necessária solidão. E vai doer.

sexta-feira, junho 03, 2011

Tocou-me... E de paz encheu meu coração



De um modo muito saudoso e nostálgico, minha reflexão de hoje passou especificamente pela estrada da experiência cultural de quem nasceu e cresceu no seio da tradição cristã evangélica. Acho que já amanheci predisposta a isso.

Muitos talvez não consigam ler esta reflexão com o envolvimento que eu gostaria. Mas os que experimentaram - como eu - o formato religioso "Escola Domincal + culto matutino + reunião de jovens (na época, chamávamos mocidade)+culto vespertino" hão de me compreender melhor, eu imagino. De qualquer modo, escrevo. Sinto que talvez exista mais a compartilhar que apenas o falar de cultura religiosa.

Reconheço que somos privilegiados. Nós que usufruímos de todo conhecimento que hoje paira sobre o mundo, sobre as culturas, toda facilidade de acesso a informação; tudo isto nos torna muito mais habilitados a discutir, conhecer e desvendar a vida, seus conflitos, a provável origem das coisas e as vertentes da própria história. Isto é um privilégio da geração presente e dos que ainda perseveram na luta pela longevidade que Deus nos tem outorgado.

Dentro desta perspectiva, viver a espiritualidade hoje em dia é, sem dúvida, mais transparente nos questionamentos, menos preconceituosa nos diferentes modos de entendimento, e, porque não dizer, mais honesta em algumas circunstâncias. Mas existe um certo mistério na tradição eclesiástica, mistério este que não consigo traduzir com propriedade, mas que foi impresso em minha vida – memória e coração – de modo delicado e, ao mesmo tempo, profundo.

A liturgia, por exemplo, como toda regra pouco flexível, tornou-se alvo fácil dos movimentos daqueles que (eu me incluo) desejavam novidades e mudanças do modelo da época. Ela sempre nos pareceu “engessar” um pouco a liberdade de expressão, principalmente tratando-se de espiritualidade. Lembro-me que seguíamos uma orientação de culto pré-estabelecida; e, num dado momento, dependendo do lugar e da situação, sabíamos de antemão as canções que seriam entoadas e o esboço da explanação bíblica.

O curioso é que, independente desta liturgia castradora, havia um sentimento, uma intenção e uma predisposição emocional, uma comunhão que parecia transpor as barreiras da consciência, invadia a alma, e se armazenava em algum ponto mágico do nosso ser, onde as canções, o que elas nos inspiravam e a sensação que nos causavam permanecem até hoje. Não tínhamos metade dos recursos disponíveis atualmente, havia pouca variedade no formato dos cultos e as crianças (hoje tão exigentes) "seguiam a cartilha", participavam (dormindo ou acordadas) dos cultos, e esperavam ansiosamente Julho chegar para que a EBF (Escola Bíblica de Férias) acontecesse; ou sonhavam logo crescerem para cantar na mocidade...

Vínculos de amizade profundos foram selados dentro deste universo social, e chamávamo-nos irmãos porque quase éramos mesmo!

Muitos se perderam no caminho. E isso tem a ver com as mais diferentes interpretações. Mas, em algum lugar, de algum modo, este selo os acompanha.

Laços criados e situações vividas foram tão padronizadamente marcante que, independente de onde tenhamos passado este momento de nossas vidas, ainda hoje, quando temos oportunidade de reencontrar ou mesmo de conhecer alguém que compartilhe esta experiência vivida, nosso coração se alegra, e o fluir das lembranças nos traz o mesmo sentimento de nostalgia e alegria.

Embora pudesse passar horas em lágrimas e risos num mergulho emocionado dessa história, ao final da minha reflexão, precisava chegar a uma conclusão. E cheguei a algumas:

A mais importante delas talvez seja esta: TOCOU-ME.

Sim. Foi na simplicidade desta tradição cristã que descobri que Deus caminhava comigo e em mim; onde ELE se revelou e, ainda na minha adolescência, me ‘tocou” sobrenaturalmente. Não há muito para explicar, pois não saberia. Mas, como disse Paulo em sua carta aos Gálatas “trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus.” (cap 6 vs17). Eu também as trago, e, como mencionei anteriormente, ficaram impressas de modo delicado e profundo em minha vida.

Outra conclusão (e esta talvez mais prática no propósito do texto) é que não devemos seguir adiante sem que uma história de amor, uma experiência pessoal e uma tradição nos acompanhem.

Muitas vezes, me pego refletindo sobre a evolução das coisas, sobre perdas e ganhos percebidos com passar dos anos, sobre o que deixou saudade, e sobre o que traz alívio de não mais existir. Às vezes, a gente diz “que bom que já passou”, em outras a gente diz “que pena que não volta mais...”. É a vida, é o que se experimenta por continuar vivendo. E a reflexão traz emoções à tona, porque, como bem dizemos: recordar é viver.

E, para finalizar, eu diria que mesmo com toda liberdade, com tudo que vimos conquistando como humanidade, com todos os aspectos positivos das inúmeras pesquisas científicas, avanços tecnológicos e da visão de espiritualidade contemporânea, ainda assim, é na tradição que deveríamos sustentar tudo de novo que construímos. É como uma casa sobre uma rocha.

Por isso, acredito que não vale a pena negligenciar um modelo tradicional de família, de comportamento e de sociedade só porque pode parecer “démodé”. Disciplina, organização e rotina são temperos, e ajudam, por exemplo, nossos filhos a sentirem-se seguros e amados. Talvez não devamos antecipar as novidades pensando que nos ajudam a interagir com a realidade deles, evitando que se distanciem, ou não sigam o caminho do que faz sentido para nós. Eles amarão o que valorizarmos na proporção que perceberem o quanto faz diferença em nós, e nos torna melhores pais, melhores pessoas, nos torna gente que vale a pena.

As mudanças são como águas tempestuosas nas portas do mundo. Não há como fugir de muitas delas, e nem motivo para reagir preconceituosamente contra outras; mas há que se manter sustentados, não por paradigmas inegociáveis, mas por aquilo que nos tocou, por aquilo que ainda nos emociona ou por aquilo que nos traz esperança.

Deus nos abençoe.

Envelhecer é diferente de apodrecer

Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos você tem? (Confúcio) Eu, com certeza, seria velha, em qualquer momento. Devo ter na...