“Mãe, você não tem a impressão de que o que existe é só o momento que você está vivendo? Agora,
por exemplo, parece que , no mundo todo, a única coisa que existe é isso aqui,
o que está acontecendo no lugar onde a
gente está. Você também sente assim?”
Não é curioso e mágico que as
crianças do nosso mundo globalizado ainda consigam reter dentro de si esta sensação? Apesar de toda invasão dos
meios de comunicação, e todos os recursos disponíveis, inclusive redes sociais que também as afeta, este encantamento persiste inconscientemente em habitar a
alma infantil? Só receio que isto não seja
uma regra.
A infância é mesmo adorável,
independente das circunstâncias adversas. Sim, eu sei, existem coisas duras
como fome, miséria, violência e muitos outros contratempos a que são injustamente
submetidas nossas crianças, e isto afeta a poesia e a beleza desta fase tão
preciosa; mas tal habilidade de “abstrair”, fantasiar e de ignorar o que está
fora do mundo lúdico em que normalmente estariam inseridas é positivamente invejável,
e faz razoável diferença ao enfrentarem o sofrimento e desafios da vida.
Lembro-me vagamente desta
experiência, mas pelo menos ainda consigo compreender a que minha filha estava
se referindo.
Hoje, já adultos, o exercício é
contrário. Não são raras as terapias disponíveis justamente para ajudar o
indivíduo a se desligar, relaxar, e procurar trazer à memória aspectos
positivos sobre o cotidiano, sobre si mesmo, seus conflitos e problemas de
peculiaridades e áreas diversas. Quantos de nós não se flagra diariamente em
tentativas semelhantes, não
necessariamente estimulados por terapias, mas por decisão pessoal, pela
consciência de que precisamos sobreviver, minimizar o stress e evitar as muitas
síndromes e depressões? Quantas vezes não desligamos a TV, mudamos o canal ou
simplesmente olhamos para o outro lado, evitando que os acontecimentos, mesmo ainda não sendo
conosco, influenciem nosso dia-a-dia, alguns deles chegando a nos consumir e
angustiar?
Puxa vida! Onde será que fica o
tal botão mágico na psique humana? Talvez, se resgatado, pudesse nos transportar à uma ilusão (pois a
esta altura, não há mais como ser lúdico) capaz de nos poupar da realidade amarga e
aparentemente sem solução que se tornou esta vida vivida.
Você pode escolher perguntar às
crianças. Eu não perguntei à minha filha. Não tive coragem. Na verdade, foi ela
quem me perguntou se eu não me sentia do mesmo modo. Lembro-me de ter
respondido apenas que sabia o que ela estava querendo dizer, e que era
realmente muito interessante a sensação, mas que os adultos não conseguiam
sentir-se assim todo o tempo por causa das muitas responsabilidades e
preocupações que têm, principalmente depois que os filhos nascem, pois, a
partir daí, um pedaço da nossa vida
passa a andar fora do nosso corpo, então, não há como pensar que só existe o
que está naquele nosso “particular”, no nosso momento presente, principalmente se
o filho não estiver junto com a gente.
Não sei se, na prática, ela
entendeu. Nem vale a pena conferir. Quanto mais tempo demorar, melhor.
Duro é pensar que existem
crianças que já não mais convivem com esta experiência lúdica, crianças das quais tão cedo foram roubados
sonhos, imaginação e fantasias. Quem os roubou? O mundo real provavelmente invadiu a alma daqueles que
poderiam ser sua inspiração (pais, amigos, professores) de tal forma que o
botão mágico da psique automaticamente se desligou para não causar danos ainda maior.
Não é assim que acontece com as instalações elétricas?
Só sei dizer que estes tsunamis diários
de fatos, versões de fatos, prognósticos tolos (alguns nem tanto),
catástrofes e detalhes sórdidos de cenas
de violência evidente, tudo isto está me causando um curto-circuito emocional.
Tudo indica que não há como frear o ritmo acelerado e intenso dessas
informações, por isso, tenho buscado gerenciar minha sintonia. Sempre que puder, redirecionarei meu olhar, e decidirei qual botão, então, ligar.
Não, crianças, infelizmente não existe apenas o
nosso “aqui e agora”. Mas, parafraseando o pensamento de Richard Bach: “Se a nossa vida depende de
coisas como o espaço e o tempo, então, quando finalmente ultrapassarmos o
espaço e o tempo, teremos destruído a nossa fraternidade! Mas, ultrapassando o
espaço, tudo o que nos resta é aqui. Ultrapassando o tempo, tudo o que nos
resta é agora. E, entre aqui e agora, você não crê que poderemos tentar ser
felizes?” (1)
Dentro desta perspectiva, o paraíso é uma questão pessoal (2).
(2) Título
de um dos livros de Richard Bach
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