quarta-feira, novembro 16, 2011

O Botão Mágico



Comentário da minha filha um dia desses:
Mãe, você não tem a impressão de que o que existe  é só o momento que você está vivendo? Agora, por exemplo, parece que , no mundo todo, a única coisa que existe é isso aqui, o que está  acontecendo no lugar onde a gente está. Você também sente assim?

Não é curioso e mágico que as crianças do nosso mundo globalizado ainda consigam reter dentro de si  esta sensação? Apesar de toda invasão dos meios de comunicação, e todos os recursos disponíveis, inclusive redes sociais que também as afeta, este encantamento persiste inconscientemente em habitar a alma infantil?  Só receio que isto não seja uma regra.

A infância é mesmo adorável, independente das circunstâncias adversas. Sim, eu sei, existem coisas duras como fome, miséria, violência e muitos outros contratempos a que são injustamente submetidas nossas crianças, e isto afeta a poesia e a beleza desta fase tão preciosa; mas tal habilidade de “abstrair”, fantasiar e de ignorar o que está fora do mundo lúdico em que normalmente estariam inseridas é positivamente invejável, e faz razoável diferença ao enfrentarem o sofrimento e desafios da vida.
Lembro-me vagamente desta experiência, mas pelo menos ainda consigo compreender a que minha filha estava se referindo.

Hoje, já adultos, o exercício é contrário. Não são raras as terapias disponíveis justamente para ajudar o indivíduo a se desligar, relaxar, e procurar trazer à memória aspectos positivos sobre o cotidiano, sobre si mesmo, seus conflitos e problemas de peculiaridades e áreas diversas. Quantos de nós não se flagra diariamente em tentativas semelhantes,  não necessariamente estimulados por terapias, mas por decisão pessoal, pela consciência de que precisamos sobreviver, minimizar o stress e evitar as muitas síndromes e depressões? Quantas vezes não desligamos a TV, mudamos o canal ou simplesmente olhamos para o outro lado, evitando  que os acontecimentos, mesmo ainda não sendo conosco, influenciem nosso dia-a-dia, alguns deles chegando a nos consumir e angustiar?

Puxa vida! Onde será que fica o tal botão mágico na psique humana? Talvez, se resgatado,  pudesse nos transportar à uma ilusão (pois a esta altura, não há mais como ser lúdico) capaz  de nos poupar da realidade amarga e aparentemente sem solução que se tornou esta vida vivida.

Você pode escolher perguntar às crianças. Eu não perguntei à minha filha. Não tive coragem. Na verdade, foi ela quem me perguntou se eu não me sentia do mesmo modo. Lembro-me de ter respondido apenas que sabia o que ela estava querendo dizer, e que era realmente muito interessante a sensação, mas que os adultos não conseguiam sentir-se assim todo o tempo por causa das muitas responsabilidades e preocupações que têm, principalmente depois que os filhos nascem, pois, a partir daí,  um pedaço da nossa vida passa a andar fora do nosso corpo, então, não há como pensar que só existe o que está naquele nosso “particular”, no nosso momento presente, principalmente se o filho não estiver junto com a gente.

Não sei se, na prática, ela entendeu. Nem vale a pena conferir. Quanto mais tempo demorar, melhor.

Duro é pensar que existem crianças que já não mais convivem com esta experiência lúdica,  crianças das quais tão cedo foram roubados sonhos, imaginação e fantasias.  Quem os  roubou? O mundo real  provavelmente invadiu a alma daqueles que poderiam ser sua inspiração (pais, amigos, professores) de tal forma que o botão mágico da psique automaticamente se desligou para não causar danos ainda maior. Não é assim que acontece com as instalações elétricas?

Só sei dizer que estes tsunamis diários de fatos, versões de fatos, prognósticos tolos (alguns nem tanto), catástrofes  e detalhes sórdidos de cenas de violência evidente, tudo isto está me causando um curto-circuito emocional. Tudo indica que não há como frear o ritmo acelerado e intenso dessas informações, por isso, tenho buscado gerenciar minha sintonia. Sempre que puder, redirecionarei meu olhar, e decidirei qual botão, então, ligar.

Não, crianças, infelizmente não existe apenas o nosso “aqui e agora”. Mas, parafraseando o pensamento  de Richard Bach: “Se a nossa vida depende de coisas como o espaço e o tempo, então, quando finalmente ultrapassarmos o espaço e o tempo, teremos destruído a nossa fraternidade! Mas, ultrapassando o espaço, tudo o que nos resta é aqui. Ultrapassando o tempo, tudo o que nos resta é agora. E, entre aqui e agora, você não crê que poderemos tentar ser felizes?” (1)
Dentro desta perspectiva,  o paraíso é uma questão pessoal (2).

(1)   In "Fernão Capelo Gaivota"
(2)  Título de um dos livros de Richard Bach


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