Quando ouço alguém dizer que tem dificuldade para escrever, logo observo como se expressa ao falar. Daí, não é raro me deparar com gente falante, expressiva, e que diz não saber escrever bem. Ora, isto não faz muito sentido...
Expressar-se
é um processo inato dos seres. Gesticular, Falar e escrever deveriam ser frutos inevitáveis deste processo. Mas, como
tudo afetado pela percepção e altivez
humana compromete o espírito da coisa, estes traços tornaram-se parte de um
conjunto de características que acabou virando cilada, destacando a soberba, e
semeando discriminação e xenofobia. Gente social e economicamente privilegiada exagera na aparência do vernáculo formal adquirido para tirar proveito daqueles a quem supõe-se superior, e camuflar sua insignificância e provável desvantagem intrínseca, circunstancial e, quiçá, essencial.
Quando
a gente está em fase escolar, tudo em
nós ainda está em processo de formação e amadurecimento: desenvolvimento cognitivo, psicológico,
emocional, etc., e, ao longo deste período de formação, a gente ainda não tem
um senso crítico experiente, não influenciável, e suficientemente aberto a
doses saudáveis de questionamentos e mudanças; então, o processo de aprendizado se submete a regras e exceções.
Há algum tempo, novas escolas
(construtivistas e relacionadas), tentaram trazer um pouco de flexibilidade aos
métodos de aprendizado, consoante à variedade de ritmo e tempo de aprendizado
de cada indivíduo. Até funcionou; porém, aos poucos, muito da proposta
pedagógica inicial acabou se diluindo em meio a um monte de conceitos e teorias
criadas e adaptadas para manter o rendimento escolar padronizado, e os cofres
dos colégios idem.
Um
vaticínio: O tempo é senhor da razão e
seus efeitos, implacáveis.
A
tecnologia disparou seus recursos encantadores, e uma explosão de escritores/blogueiros
invadiu as redes; e os seus leitores já não se importam com detalhes
gramaticais ( que para tanta gente compromete a espontaneidade da escrita); o
que eles buscam é identificação, troca de conhecimento, consolo e aprendizado rápido,
fácil e customizado. . Como “a galera”
não tem paciência para longas leituras, os fatídicos efeitos da implacabilidade
do tempo e do frenético desenvolvimento tecnológico entraram em ação, e logo os
blogs desceram de categoria. Não chegaram a ir para a zona de rebaixamento, mas
perderam certa gama de seguidores para YouTubers. Contradizendo algumas previsões, por
enquanto, os livros têm resistido bravamente, sem perder a posição de magia nas
lojas, cabeceiras e estantes! Diante
disso, alguns famosos debutantes da
internet foram com tudo para o mercado da “literatura". Bons escritores ou não (do ponto de vista das
técnicas de redação), eles deram um jeito: contrataram assessores, digitadores,
fizeram boas parcerias, e deram a cara
pra bater! E lá vão eles, nadando na onda do sucesso, e investindo para
garantir a sobrevivência no cosmos cibernético e material.
Mas
e quanto ao pessoal que segue padecendo em seus respectivos universos
(corporativos, pessoais e acadêmicos) por medo do “bicho papão” do texto bem
escrito, da apresentação bem feita que, por qualquer motivo, não rola?! Eu acredito
que eles podem se superar, se nós suportarmos!
Qualquer
limitação humana tende a piorar mediante observação e julgamento. Considerando que expressar-se, num dado
momento, perdeu seu status de processo natural
para morar no território da sofisticação humana, tornando a escrita e a retórica
idiossincrasias passíveis de julgamentos e hierarquização, penso que poderíamos
aplicar um esquema básico para tratar esta “dificuldade de desempenho”: liberdade (para errar), motivação (para arriscar), orientação (para se revelar) e reconhecimento (para se emocionar).
Como? Dando espaço e criando uma atmosfera leve para que o indivíduo encontre e
traga de dentro de si engenhosidades e talentos naturais adormecidos. Traduzindo:
tem gente por aí que precisa voltar a rabiscar, e seus rabiscos precisam ser
apreciados, porque, no fundo, devem ter seus muitos significados. Obviamente
não me refiro à rabiscos literais, mas a todo tipo de manifestação expressiva
que se apresente no andamento da rotina pessoal, social e profissional de cada
um.
Julgar
alguém por sua retórica, seu discurso rebuscado e eloquência é desprezar uma
virtude das mais importantes: a verdade do ser. Técnicas e regulamentos não nos falam sobre as verdades de ninguém.
Como li em algum lugar (por André
Comte-Sponville), esses pormenores
são como ferramentas: podem revelar virtudes reais ou tragédias anunciadas. Exemplo:
Uma faca nas mãos de um gourmet revela seu valor de modo diferente se nas mãos
de um assassino. Assim é a eloquência, ou qualquer habilidade de persuasão;
terá valores distintos ( da virtude à patifaria) conforme o sujeito e a
situação. Imaginemos, por exemplo, um excelente advogado em defesa de um homem
injustiçado, e um político corrupto em defesa de seus bens adquiridos por
desvio de dinheiro público. A eloquência
e o vocabulário vasto – que são originalmente virtudes, não o serão em ambos os
casos.
Há
muito mais que se considerar em uma pessoa além do seu discurso e sua gramática. Por este
motivo, acho que valeria a pena um pouco de flexibilidade, e menos austeridade na
perspectiva que formamos do “outro”. Possivelmente, em meio aos seus rabiscos (escritos ou falados), este “outro”
tenha muito a nos dizer; e pode valer a pena.
Diga-me:
o que você quer? Estar certo, ou ser feliz? Tenho percebido que felicidade
passa muito por nossas expectativas futuras, a respeito de tudo. Se eu considerar
que o mundo ideal é o mundo em que eu vivo, e onde me construí (cultural, social,
emocional e espiritualmente), quando esta realidade mudar (e VAI MUDAR!), minha
frustração e inadequação, fatalmente farão de mim alguém infeliz.
Por
isso, sejamos razoáveis. Sigamos os
conselhos da Babá mais adorável da história do cinema – Mary Poppins!
“Todo trabalho que se faz
“Todo trabalho que se faz
Pode
se tornar uma distração
Você
descobre e... Snap
É
uma diversão
E
assim a sua obrigação
Se
torna um prazer
Daí!
Assim! Eu passo a lhe dizer que
Com
um pouco de açúcar
Até
remédio é um prazer!
Remédio
passa a ser, bom de paladar
Só
um pouco de açúcar faz qualquer remédio ser
Bem
gostoso de tomar”
Ou
você prefere ignorar que a língua culta e a falada na antiguidade (de onde se
originou nosso idioma oficial) não só não
eram análogas, como fizeram-se muitas novas línguas ao longo da história, todas
produto das inevitáveis interferências humanas?
Então...
E você, fala corretamente com base em
que época?
Para
quem nunca viu Mary Poppins, aqui está o link da canção e a letra original:
“In every job that must be done
There is an element of fun
You find the fun and snap
The job's a game
And every task you undertake
Becomes a piece of cake
A lark! I spree! it's very clear to see that
A spoonful of sugar helps the medicine go down
The medicine go down-wown
The medicine go down
Just a spoonful of sugar helps the medicine go down
In a most delightful way
A robin feathering his nest
Has very little time to rest
While gathering his bits of twine and twig
Though quite intent in his pursuit
He has a merry tune to toot
He knows a song will move the job along - for
A spoonful of sugar helps the medicine go down
The medicine go down-wown
The medicine go down
Just a spoonful of sugar helps the medicine go down
In a most delightful way
The honey bee that fetch the nectar
From the flowers to the comb
Never tire of ever buzzing to and fro
Because they take a little nip
From every flower that they sip
And hence (and hence)
They find (they find)
Their task is not a grind
Ah-h-h-h-h-h-h-h-h-h-h
ah!
A spoonful of sugar helps the medicine go down
The medicine go down-wown
The medicine go down
Just a spoonful of sugar helps the medicine go down
In a most delightful way”