Nossa noção de mundo – espacial,
intelectual, social e sensorial está relacionada com nossas experiências de
vida e nossas relações (em intensidade,
condições e limitações) com tudo aquilo que estiver envolvido nesse
processo – do abstrato, inconsciente e involuntário, ao concreto, empírico e
evidente. Ou seja, nosso inventário
humano é a soma dos sentimentos e impressões deixadas em nossa memória e em nossa
biografia, desde aquilo que percebemos
nos acontecer, até o mais sutil e oculto episódio.
Somos seres vivos, afetados pela
vida - uns pelos outros, muitos por muitos, poucos por alguns, etc. Num universo metafórico da linguagem, eu
diria que não somos um sujeito simples (literal e não literalmente falando),
somos um sujeito composto, poluído e indefinidamente composto. Às vezes, somos
oculto, e muitas vezes, indeterminado. Dependendo do tema, a questão fica
complexa, os falares e fragmentos de textos não podem ser compreendidos ou
considerados a partir de uma afirmação isolada, por mais que possa parecer
completa e suficiente. Fato é que, em nossa construção diária, os termos
envolvidos mudam e afetam a comunicação,
deturpam o sentido, e tornam-se de difícil compreensão fora de um contexto próprio.
E são muitos os contextos – político,
religioso, social, pessoal, etc.
Apesar do muito conhecimento e da facilidade de acesso a este, nosso campo de visão não acompanha a amplitude
transcendente que aflora na renovação do entendimento humano sobre a vida e
seus falares. Enxergamos até onde alcança nossa visão limitada e sacrificada
pelos traumas, por ilusões e por obstinações, e não ajudamos quando nos
recusamos a usar outras lentes que não
passem pelo nosso ego. Com a melhor das intenções, nos agarramos a um padrão de
conformidades, onde nos sintamos seguros e inabaláveis em nossas condições,
mesmo que isto comprometa seriamente a definição, o tamanho, a intensidade, e a
qualidade da vida para além do nosso alter ego.
Parafraseando a história, com um tom customizado, tenho a sensação de que saímos da dimensão de seres pré-históricos
(tipo homem da caverna) para a Torre de Babel. É um blá blá blá de falares maquiados, mas com forte ímpeto primitivo, de sobrevivência selvagem. Falamos em nome de uma dimensão
da inteligência, buscamos desenvolver habilidades cognitivas, elucubramos sobre
assuntos espirituais, mas nosso fanatismo por tocar o céu com nossas virtudes
próprias é tão insano e egoísta, que perdemos o senso comum, e usamos técnicas e estratégias onde
deveríamos aplicar valores, e o contrário também – manipulamos supostos
valores como estratégia e troféu. Isso é ou não é uma Torre de Babel?
Estamos num limbo. O limbo entre a
Transparência e a Máscara; entre o muito falar e o nada dizer, entre o legítimo e o dissimulado, entre o sagrado e
o profano. E nossa visão turva frequentemente
nos tem traído, levando-nos a noções confusas de certo e errado, de bom e mal, de
feio e bonito, de rosa, de azul, e por aí vai...
Neste cenário, tudo é possível,
e, ao mesmo tempo, nada parece viável. De repente, se nos detivermos com um mínimo
de análise, levando em conta lágrimas, curriculum de vida sofrida, vínculos eclesiásticos, etc, encontraremos gente certa em todos os lados, gente errada por
todos os cantos, caminhos parecidos, mas também nos depararemos com trechos sombrios. às vezes, me vem a sensação de que buscamos as
mesmas coisas, mas seguimos direções inversas. Isto não seria um problema, se
chegássemos em algum lugar; mas nosso jeito de olhar, e o alcance da nossa visão, como sempre, não nos ajuda muito,
e nos enveredamos por atalhos desnecessários e perigosos, por não acreditarmos
na cegueira do nosso ego, e nas possibilidades de nos guiarmos por outros sentidos, talvez daqueles invisíveis aos olhos. Somos um sujeito composto, mas ainda muito limitado. Os verbos e complementos não nos têm sido adequados, ou suficientes, não sei.
Isso me lembra muito a fábula dos cegos e o
elefante. Conhecem?
Fábula dos Cegos e
o Elefante
Certo dia, um
príncipe indiano mandou chamar um grupo de cegos de nascença e os reuniu no
pátio do palácio. Ao mesmo tempo, mandou trazer um elefante e o colocou diante
do grupo. Em seguida, conduzindo-os pela mão, foi levando os cegos até o
elefante para que o apalpassem. Um apalpava a barriga, outro a cauda, outro a
orelha, outro a tromba, outro uma das pernas. Quando todos os cegos tinham
apalpado o paquiderme, o príncipe ordenou que cada um explicasse aos outros
como era o elefante, então, o que tinha apalpado a barriga, disse que o
elefante era como uma enorme panela. O que tinha apalpado a cauda até os pelos
da extremidade discordou e disse que o elefante se parecia mais com uma
vassoura. “Nada disso “, interrompeu o que tinha apalpado a orelha. “Se alguma
coisa se parece é com um grande leque aberto”. O que apalpara a tromba deu uma
risada e interferiu: “Vocês estão por fora. O elefante tem a forma, as
ondulações e a flexibilidade de uma mangueira de água…”. “Essa não”, replicou o
que apalpara a perna, “ele é redondo como uma grande mangueira, mas não tem
nada de ondulações nem de flexibilidade, é rígido como um poste…”. Os cegos se
envolveram numa discussão sem fim, cada um querendo provar que os outros
estavam errados, e que o certo era o que ele dizia. Evidentemente cada um se
apoiava na sua própria experiência e não conseguia entender como os demais
podiam afirmar o que afirmavam. O príncipe deixou-os falar para ver se chegavam
a um acordo, mas quando percebeu que eram incapazes de aceitar que os outros
podiam ter tido outras experiências, ordenou que se calassem. “O elefante é
tudo isso que vocês falaram.”, explicou. “Tudo isso que cada um de vocês
percebeu é só uma parte do elefante. Não devem negar o que os outros
perceberam. Deveriam juntar as experiências de todos e tentar imaginar como a
parte que cada um apalpou se une com as outras para formar esse todo que é o
elefante.”
Acho incrível a simbologia dessa fábula!
Sim, eu acredito que quando falo em nome de afinidades por ideologias, partidos e estilos, falo sobre “minha opinião”, fruto da minha visão, resultado das minhas impressões, e produto de minhas experiências e condição de análises. Não é "achismo", é uma realidade empírica. Quem não transcende essa barreira humana natural não abre a porta para o todo, para as infinitas possibilidades do que há para ser revelado, e ficaremos eternamente vendo só em parte, pois só o amor conhece o que é verdade (da dobradinha da Bíblia Sagrada e Renato Russo).
Sim, eu acredito que quando falo em nome de afinidades por ideologias, partidos e estilos, falo sobre “minha opinião”, fruto da minha visão, resultado das minhas impressões, e produto de minhas experiências e condição de análises. Não é "achismo", é uma realidade empírica. Quem não transcende essa barreira humana natural não abre a porta para o todo, para as infinitas possibilidades do que há para ser revelado, e ficaremos eternamente vendo só em parte, pois só o amor conhece o que é verdade (da dobradinha da Bíblia Sagrada e Renato Russo).
Esta teoria do despreparo não se aplica apenas
aos seres humanos socialmente ordinários. Líderes de todas as
esferas seguem fiel e venenosamente este princípio. Com o agravante de
que, como mencionei anteriormente, são eles os que mais buscam no fanatismo
suas doses entorpecentes de filosofias e conceitos prontos, que atrofiam o
senso comum, e usam estratégias onde
dever-se-ia aplicar valores, e manipulam valores (também prontos) como troféu
de uma glória pessoal – cegos guiando cegos.
Eis que, em meio a esta sociedade
pós-moderna primitiva, surgem anti-heróis, com pose, popularidade e poder de
herói. É catástrofe anunciada. Não só por causa da figura do anti-herói, mas pelo
caos que se torna um universo sem ordem, desgovernado, destruído, mas ativo em seus
destroços. Grandes astros lesados, estrelas apagadas, e todo sistema
comprometido, porque mesmo aquele com magnitude considerável, não está em
condições de brilhar, de tantos golpes estruturais. Gente boa sendo confundida com facínora,
déspotas simulando polidez, e bagagem pessoal de extremo valor sendo motivo de
escárnio... Tudo isso pelo intencional descaso à calamidade do sistema, e despreparo
de suas linhas cardeais.
Em meio a tudo isso, o que eu
tenho visto? Creio que também tenho ido até meu limite, porque não sou melhor
que ninguém. Mas uma coisa eu sei que busco, todos os dias: apurar meus
sentidos, para perceber, no burburinho da vida, quanto posso estar perdendo ou quão
comprometida pode estar minha visão, para, dali em diante, considerar minha
memória, ressignificar o presente, e abrir as portas do meu entendimento para acompanhar o tempo do tempo, que – como diz Caetano, parece contínuo, mas é
inventivo, e com quem nem sempre nos será possível ter o mesmo nível de vínculo,
pois ele muda, urge, voa, e é implacável em todos os sentidos.
Saiamos do limbo, e entremos em
órbita! O mundo gira, e não faz o menor sentido este retrocesso primitivo, isto
é auto-sabotagem, é suicídio de raça! Sigamos o rastro do futuro, com a lente do discernimento, porque todos temos este dom – o dom de reconhecer a voz de um verdadeiro herói, e não qualquer brado eloquente, treinado, porém vazio; que não nos desafia, mas nos faz regredir em nossa natureza sublime
O paraíso não é uma utopia, é uma
etiqueta para a melhor versão de vida que conseguirmos alcançar com os olhos da
fé, e que, na prática, fizermos acontecer na mais empírica dimensão e manifestação do
tempo, pois, como disse o personagem Maximus em O Gladiador: “O que fazemos em
vida, ecoa na eternidade”.
Saiamos do limbo!
Saiamos do limbo!
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