quarta-feira, janeiro 09, 2019

Confusão Meteórica numa Sociedade sem visão transcendente



Nossa noção de mundo – espacial, intelectual, social e sensorial está relacionada com nossas experiências de vida e nossas relações (em intensidade,  condições e limitações) com tudo aquilo que estiver envolvido nesse processo – do abstrato, inconsciente e involuntário, ao concreto, empírico e evidente.  Ou seja, nosso inventário humano é a soma dos sentimentos e impressões deixadas em nossa memória e em nossa biografia,  desde aquilo que percebemos nos acontecer, até o mais sutil e oculto episódio.

Somos seres vivos, afetados pela vida - uns pelos outros, muitos por muitos, poucos por alguns, etc.  Num universo metafórico da linguagem, eu diria que não somos um sujeito simples (literal e não literalmente falando), somos um sujeito composto, poluído e indefinidamente composto. Às vezes, somos oculto, e muitas vezes, indeterminado. Dependendo do tema, a questão fica complexa, os falares e fragmentos de textos não podem ser compreendidos ou considerados a partir de uma afirmação isolada, por mais que possa parecer completa e suficiente. Fato é que, em nossa construção diária, os termos envolvidos mudam e  afetam a comunicação, deturpam o sentido, e tornam-se de difícil compreensão fora de um contexto próprio. E são  muitos os contextos – político, religioso, social, pessoal, etc.

Apesar do muito conhecimento e da facilidade de acesso a este, nosso campo de visão não acompanha a amplitude transcendente que aflora na renovação do entendimento humano sobre a vida e seus falares. Enxergamos até onde alcança nossa visão limitada e sacrificada pelos traumas, por  ilusões e  por obstinações, e não ajudamos quando nos recusamos a usar outras  lentes que não passem pelo nosso ego. Com a melhor das intenções, nos agarramos a um padrão de conformidades, onde nos sintamos seguros e inabaláveis em nossas condições, mesmo que isto comprometa seriamente a definição, o tamanho, a intensidade, e a qualidade da vida para além do nosso alter ego.

Parafraseando a história, com um tom customizado, tenho a sensação de que saímos da dimensão de seres pré-históricos (tipo homem da caverna) para a Torre de Babel. É um blá blá blá de falares maquiados, mas com forte ímpeto primitivo, de sobrevivência selvagem. Falamos em nome de uma dimensão da inteligência, buscamos desenvolver habilidades cognitivas, elucubramos sobre assuntos espirituais, mas nosso fanatismo por tocar o céu com nossas virtudes próprias é tão insano e egoísta, que perdemos o senso comum,  e usamos técnicas e estratégias onde deveríamos aplicar valores, e o contrário também – manipulamos supostos valores como estratégia e troféu. Isso é ou não é uma Torre de Babel?

Estamos num limbo. O limbo entre a Transparência e a Máscara; entre o muito falar e o nada dizer, entre  o legítimo e o dissimulado, entre o sagrado e o profano.  E nossa visão turva frequentemente nos tem traído, levando-nos a noções confusas de certo e errado, de bom e mal, de feio e bonito, de rosa, de azul, e por aí vai...

Neste cenário, tudo é possível, e, ao mesmo tempo, nada parece viável. De repente, se nos detivermos com um mínimo de análise, levando em conta lágrimas, curriculum de vida sofrida, vínculos eclesiásticos, etc, encontraremos gente certa em todos os lados, gente errada por todos os cantos, caminhos parecidos, mas também nos depararemos com  trechos sombrios. às vezes, me  vem a sensação de que buscamos as mesmas coisas, mas seguimos direções inversas. Isto não seria um problema, se chegássemos em algum lugar; mas nosso jeito de olhar, e o alcance da nossa visão, como sempre, não nos ajuda muito, e nos enveredamos por atalhos desnecessários e perigosos, por não acreditarmos na cegueira do nosso ego, e nas possibilidades de nos guiarmos por outros sentidos, talvez daqueles invisíveis aos olhos. Somos um sujeito composto, mas ainda muito limitado. Os verbos e complementos não nos têm sido adequados, ou suficientes, não sei.

Isso me lembra muito a fábula dos cegos e o elefante. Conhecem? 

Fábula dos Cegos e o Elefante
Certo dia, um príncipe indiano mandou chamar um grupo de cegos de nascença e os reuniu no pátio do palácio. Ao mesmo tempo, mandou trazer um elefante e o colocou diante do grupo. Em seguida, conduzindo-os pela mão, foi levando os cegos até o elefante para que o apalpassem. Um apalpava a barriga, outro a cauda, outro a orelha, outro a tromba, outro uma das pernas. Quando todos os cegos tinham apalpado o paquiderme, o príncipe ordenou que cada um explicasse aos outros como era o elefante, então, o que tinha apalpado a barriga, disse que o elefante era como uma enorme panela. O que tinha apalpado a cauda até os pelos da extremidade discordou e disse que o elefante se parecia mais com uma vassoura. “Nada disso “, interrompeu o que tinha apalpado a orelha. “Se alguma coisa se parece é com um grande leque aberto”. O que apalpara a tromba deu uma risada e interferiu: “Vocês estão por fora. O elefante tem a forma, as ondulações e a flexibilidade de uma mangueira de água…”. “Essa não”, replicou o que apalpara a perna, “ele é redondo como uma grande mangueira, mas não tem nada de ondulações nem de flexibilidade, é rígido como um poste…”. Os cegos se envolveram numa discussão sem fim, cada um querendo provar que os outros estavam errados, e que o certo era o que ele dizia. Evidentemente cada um se apoiava na sua própria experiência e não conseguia entender como os demais podiam afirmar o que afirmavam. O príncipe deixou-os falar para ver se chegavam a um acordo, mas quando percebeu que eram incapazes de aceitar que os outros podiam ter tido outras experiências, ordenou que se calassem. “O elefante é tudo isso que vocês falaram.”, explicou. “Tudo isso que cada um de vocês percebeu é só uma parte do elefante. Não devem negar o que os outros perceberam. Deveriam juntar as experiências de todos e tentar imaginar como a parte que cada um apalpou se une com as outras para formar esse todo que é o elefante.”

Acho incrível a simbologia dessa fábula!
Sim, eu acredito que quando falo em nome de afinidades por ideologias, partidos e estilos,  falo sobre “minha opinião”, fruto da minha visão, resultado das minhas impressões, e produto de minhas experiências e condição de análises. Não é "achismo", é uma realidade empírica.  Quem não transcende essa barreira humana natural não abre a porta para o todo, para as infinitas possibilidades do que há para ser revelado, e ficaremos eternamente vendo só em parte, pois só o amor conhece o que é verdade (da dobradinha da Bíblia Sagrada e Renato Russo).

Esta teoria do despreparo não se aplica apenas aos seres humanos socialmente ordinários. Líderes de todas as esferas seguem fiel e venenosamente este princípio. Com o agravante de que, como mencionei anteriormente, são eles os que mais buscam no fanatismo suas doses entorpecentes de filosofias e conceitos prontos, que atrofiam o senso comum,  e usam estratégias onde dever-se-ia aplicar valores, e manipulam valores (também prontos) como troféu de uma glória pessoal – cegos guiando cegos.

Eis que, em meio a esta sociedade pós-moderna primitiva, surgem anti-heróis, com pose, popularidade e poder de herói. É catástrofe anunciada. Não só por causa da figura do anti-herói, mas pelo caos que se torna um universo sem ordem,  desgovernado, destruído, mas ativo em seus destroços. Grandes astros lesados, estrelas apagadas, e todo sistema comprometido, porque mesmo aquele com magnitude considerável, não está em condições de brilhar, de tantos golpes estruturais. Gente boa sendo confundida com facínora, déspotas simulando polidez, e bagagem pessoal de extremo valor sendo motivo de escárnio... Tudo isso pelo intencional descaso à calamidade do sistema, e despreparo de suas linhas cardeais.

Em meio a tudo isso, o que eu tenho visto? Creio que também tenho ido até meu limite, porque não sou melhor que ninguém. Mas uma coisa eu sei que busco, todos os dias: apurar meus sentidos, para perceber, no burburinho da vida,  quanto posso estar perdendo ou quão comprometida pode estar minha visão, para, dali em diante, considerar minha memória, ressignificar o presente, e abrir as portas do meu entendimento para acompanhar o tempo do tempo, que – como diz Caetano, parece contínuo, mas é inventivo, e com quem nem sempre nos será possível ter o mesmo nível de vínculo, pois ele muda, urge, voa, e é implacável em todos os sentidos.

Saiamos do limbo, e entremos em órbita! O mundo gira, e não faz o menor sentido este retrocesso primitivo, isto é auto-sabotagem, é suicídio de raça! Sigamos o rastro do futuro, com a lente do discernimento, porque todos temos este dom – o dom de reconhecer a voz de um verdadeiro herói, e não qualquer brado eloquente, treinado, porém vazio; que não nos desafia, mas nos faz regredir em nossa natureza sublime  
O paraíso não é uma utopia, é uma etiqueta para a melhor versão de vida que conseguirmos alcançar com os olhos da fé, e que,  na prática, fizermos acontecer na mais empírica dimensão e manifestação do tempo, pois, como disse o personagem Maximus em O Gladiador: “O que fazemos em vida, ecoa na eternidade”.
Saiamos do limbo!

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