"Naquilo que escrevemos surge o nível do nosso preenchimento, da nossa profundidade, da nossa capacidade de matar a sede do mundo. O texto é a confissão do nosso grau de maturidade. Na medida em que assimilei tudo o que vi e vivi, escrever é abrir as comportas.
Confidenciar-me em público. Ou, como dizia o poeta Mário Quintana, numa entrevista:
'Eu nunca escrevi uma vírgula que não fosse confessional'".
(Gabriel Perissé)
Estou envelhecendo. Sinto isto. Não são raras as situações, nem pouco freqüentes os incômodos e as reflexões pessoais que me levam a esta constatação. O que ameniza o meu pavor é pensar que envelhecer pode significar muitas coisas, algumas delas até bastante positivas, como, por exemplo, um amadurecimento natural que traz (ou pelo menos deveria trazer) certo equilíbrio à vida. Pensando assim, vejo o futuro com motivação. O problema está no que me tem feito sentir assim, envelhecendo...
O que faz com que eu não me sinta mais jovem?
Obviamente o famoso “efeito da gravidade” e as evidências do passar dos anos são marcantes. Sinceramente, isto não me apavora. Talvez incomode, mas não me rouba a paz, nem inverte minhas prioridades de vida. Mas não é o simples passar dos anos e a profundidade de meus sulcos faciais que me envelhecem, e sim o que eu estou ou não fazendo enquanto o tempo está passando. O tempo marca meu corpo, meu rosto... E eu? Marco o quê? Ou quem?
Algumas coisas são pesadas para mim...
A impossibilidade de poder dizer sempre tudo o que penso, por exemplo. Embora alguns mais próximos, que há muito me conhecem, possam se surpreender - justo eu, aparentemente tão ousada! O amadurecimento me trouxe mais “tolerância”, contudo, praticar esta tolerância com quem não merece me frustra, e acho que me envelhece um pouco...
Estou numa fase onde, como disse Brennan Manning, em seu livro “O Impostor que Habita em Mim”: “A questão não é se sou introvertido ou extrovertido, de sangue quente ou de personalidade submissa. A questão é se expresso ou reprimo meus sentimentos genuínos”. Esta tem sido a questão.
Minha impotência face algumas circunstâncias que envolvem a vida de gente querida, minha vontade de mudar o que me rodeia, minha incapacidade de delegar as ações que não são de minha “conta”, e por aí vai...
O modus operandis que alguns adotam em suas vidas também me faz parecer careta. A “coisificação da vida” que, na definição do Pr. Ed René Kivitz, seria “quando nos sentimos ‘alguém’ em razão das coisas que temos, ou quando as pessoas nos julgam ‘ser alguém’ em razão das coisas que temos”, isto tem me afligido, me incomodado. Tenho que me controlar para não tornar-me indelicada, polêmica, anti-social, “velha”, de repente.
As medidas da aparência e os relacionamentos por interesse decididamente têm desgastado certa dose de minha paciência. A competição e o consumismo exagerado não podem ditar quem sou, e não deveriam falar sobre ninguém. Não gosto de ser julgada, nem gosto de “perceber-me” julgando outros, influenciada por estes parâmetros. Eu sou quem sou pela graça de Deus, tendo muito, tendo pouco ou tendo nada!
É claro que toda esta constatação, este inevitável processo de amadurecimento não tem me feito bem todos os dias. Por isso tenho buscado envelhecer com “graça”. Ando pensando sobre isto...
Novamente Ed René Kivits: ''administrar o estado de espírito momento após momento, para viver plenamente aqui e agora é, ao mesmo tempo, o ônus e o privilégio do direito e dádiva da vida'' (em Vivendo com Propósito).
Isso tem um sentido muito verdadeiro. É um privilégio podermos nos sentir vivos, refletindo sobre o mundo, participando ativamente de manifestações, transformações, etc. É igualmente, para mim, um privilégio poder escrever este texto agora, mas é também uma enorme responsabilidade com todas as suas conseqüências pessoais, com todas as dores de cabeça, desgastes físicos e emocionais, aborrecimentos e frustrações, mesmo que em meio a algumas grandes vitórias. Passar por tudo isso e envelhecer com graça é um privilégio, mas tem um ônus pessoal expressivo.
Outra consideração que tem feito sentido pra mim é a de que para experimentar a profundidade da vida com uma sensação de espiritualidade mais intensa, eu não preciso deixar tudo de lado e olhar apenas para Deus; ao contrário, não posso deixar nenhum aspecto do que me cerca fora da interação com Deus. Devo olhar não exatamente para Deus, mas para todas as coisas a partir de Deus. É aquele ditado conhecido: “não diga para Deus que você tem um grande problema, diga para o problema que você tem um grande Deus”. É mais ou menos isso, só que de modo abrangente, e também fora do que vem a ser “só problema”, mas também vitórias, alegrias, lazer, etc. Em todas estas situações, haverá sempre um grande Deus em nosso universo pessoal, e é a partir d’Ele que nos movemos e existimos., quer crianças, quer jovens, quer “maduros”. A diferença, e o mágico, é que, maduros, conseguimos perceber este privilégio, e viver realmente mais consciente dele.
Assim, reconheço que tudo o que tenho e tudo o que sou não é mérito meu. Tenho sido diariamente agraciada com vida, saúde, disposição, recursos (de um modo ou de outro, sempre aparece uma luz no fim do túnel de um dia atarefado e cheio de desafios pessoais); por isso tudo o que tenho tido é graça, é favor imerecido, é dádiva. Por maior que seja meu esforço pessoal, por mais que eu contribua com toda capacidade que tenho, hei de alegrar-me sim com a remuneração do meu trabalho, mas preciso entender que eu semeio, mas é Deus que faz crescer e me dá a oportunidade da colheita. E nisto está o meu louvor.
Por isso, não devo, e não posso dar as mãos aos que se vangloriam do que são pelo que têm e assim julgam e definem suas relações. Tenho que me alegrar com os que se alegram, e chorar com os que choram, genuinamente falando, do modo mais claro e prático que eu conseguir, e não devo escolher com quem chorar ou sorrir. Meus relacionamentos, mais do que nunca, merecem ser o reflexo do meu amadurecimento. Quem estiver ao meu lado no caminho, e o que eu possuir, será parte dos meus valores, será parceiro de alegrias e dissabores, será amigo de fé e irmão camarada. Meus relacionamentos e minhas posses têm que ser parte da minha coerência de vida. Se é assim que penso, é assim que faço, e é isso só que tenho.
Queria compartilhar apenas mais dois pensamentos que têm calçado os meus pés enquanto caminho envelhecendo.
Ouvi o Pr. Ricardo Gondin dizer em uma de suas reflexões: “devemos transformar o passado em materia-prima para construçåo de um futuro seguro e de paz, sabendo que Deus é nosso parceiro na jornada de construção da nossa historia de vida.”; e o outro é: “o que não é meu, eu não quero, pois aquilo que não é meu, nunca encherá o meu coração”. (Ed René Kivitz)
Assim, sigo envelhecendo, ou, como dizem os de língua inglesa: “getting old”, sigo ficando antiga.
Deus nos abençoe.
Confidenciar-me em público. Ou, como dizia o poeta Mário Quintana, numa entrevista:
'Eu nunca escrevi uma vírgula que não fosse confessional'".
(Gabriel Perissé)
Estou envelhecendo. Sinto isto. Não são raras as situações, nem pouco freqüentes os incômodos e as reflexões pessoais que me levam a esta constatação. O que ameniza o meu pavor é pensar que envelhecer pode significar muitas coisas, algumas delas até bastante positivas, como, por exemplo, um amadurecimento natural que traz (ou pelo menos deveria trazer) certo equilíbrio à vida. Pensando assim, vejo o futuro com motivação. O problema está no que me tem feito sentir assim, envelhecendo...
O que faz com que eu não me sinta mais jovem?
Obviamente o famoso “efeito da gravidade” e as evidências do passar dos anos são marcantes. Sinceramente, isto não me apavora. Talvez incomode, mas não me rouba a paz, nem inverte minhas prioridades de vida. Mas não é o simples passar dos anos e a profundidade de meus sulcos faciais que me envelhecem, e sim o que eu estou ou não fazendo enquanto o tempo está passando. O tempo marca meu corpo, meu rosto... E eu? Marco o quê? Ou quem?
Algumas coisas são pesadas para mim...
A impossibilidade de poder dizer sempre tudo o que penso, por exemplo. Embora alguns mais próximos, que há muito me conhecem, possam se surpreender - justo eu, aparentemente tão ousada! O amadurecimento me trouxe mais “tolerância”, contudo, praticar esta tolerância com quem não merece me frustra, e acho que me envelhece um pouco...
Estou numa fase onde, como disse Brennan Manning, em seu livro “O Impostor que Habita em Mim”: “A questão não é se sou introvertido ou extrovertido, de sangue quente ou de personalidade submissa. A questão é se expresso ou reprimo meus sentimentos genuínos”. Esta tem sido a questão.
Minha impotência face algumas circunstâncias que envolvem a vida de gente querida, minha vontade de mudar o que me rodeia, minha incapacidade de delegar as ações que não são de minha “conta”, e por aí vai...
O modus operandis que alguns adotam em suas vidas também me faz parecer careta. A “coisificação da vida” que, na definição do Pr. Ed René Kivitz, seria “quando nos sentimos ‘alguém’ em razão das coisas que temos, ou quando as pessoas nos julgam ‘ser alguém’ em razão das coisas que temos”, isto tem me afligido, me incomodado. Tenho que me controlar para não tornar-me indelicada, polêmica, anti-social, “velha”, de repente.
As medidas da aparência e os relacionamentos por interesse decididamente têm desgastado certa dose de minha paciência. A competição e o consumismo exagerado não podem ditar quem sou, e não deveriam falar sobre ninguém. Não gosto de ser julgada, nem gosto de “perceber-me” julgando outros, influenciada por estes parâmetros. Eu sou quem sou pela graça de Deus, tendo muito, tendo pouco ou tendo nada!
É claro que toda esta constatação, este inevitável processo de amadurecimento não tem me feito bem todos os dias. Por isso tenho buscado envelhecer com “graça”. Ando pensando sobre isto...
Novamente Ed René Kivits: ''administrar o estado de espírito momento após momento, para viver plenamente aqui e agora é, ao mesmo tempo, o ônus e o privilégio do direito e dádiva da vida'' (em Vivendo com Propósito).
Isso tem um sentido muito verdadeiro. É um privilégio podermos nos sentir vivos, refletindo sobre o mundo, participando ativamente de manifestações, transformações, etc. É igualmente, para mim, um privilégio poder escrever este texto agora, mas é também uma enorme responsabilidade com todas as suas conseqüências pessoais, com todas as dores de cabeça, desgastes físicos e emocionais, aborrecimentos e frustrações, mesmo que em meio a algumas grandes vitórias. Passar por tudo isso e envelhecer com graça é um privilégio, mas tem um ônus pessoal expressivo.
Outra consideração que tem feito sentido pra mim é a de que para experimentar a profundidade da vida com uma sensação de espiritualidade mais intensa, eu não preciso deixar tudo de lado e olhar apenas para Deus; ao contrário, não posso deixar nenhum aspecto do que me cerca fora da interação com Deus. Devo olhar não exatamente para Deus, mas para todas as coisas a partir de Deus. É aquele ditado conhecido: “não diga para Deus que você tem um grande problema, diga para o problema que você tem um grande Deus”. É mais ou menos isso, só que de modo abrangente, e também fora do que vem a ser “só problema”, mas também vitórias, alegrias, lazer, etc. Em todas estas situações, haverá sempre um grande Deus em nosso universo pessoal, e é a partir d’Ele que nos movemos e existimos., quer crianças, quer jovens, quer “maduros”. A diferença, e o mágico, é que, maduros, conseguimos perceber este privilégio, e viver realmente mais consciente dele.
Assim, reconheço que tudo o que tenho e tudo o que sou não é mérito meu. Tenho sido diariamente agraciada com vida, saúde, disposição, recursos (de um modo ou de outro, sempre aparece uma luz no fim do túnel de um dia atarefado e cheio de desafios pessoais); por isso tudo o que tenho tido é graça, é favor imerecido, é dádiva. Por maior que seja meu esforço pessoal, por mais que eu contribua com toda capacidade que tenho, hei de alegrar-me sim com a remuneração do meu trabalho, mas preciso entender que eu semeio, mas é Deus que faz crescer e me dá a oportunidade da colheita. E nisto está o meu louvor.
Por isso, não devo, e não posso dar as mãos aos que se vangloriam do que são pelo que têm e assim julgam e definem suas relações. Tenho que me alegrar com os que se alegram, e chorar com os que choram, genuinamente falando, do modo mais claro e prático que eu conseguir, e não devo escolher com quem chorar ou sorrir. Meus relacionamentos, mais do que nunca, merecem ser o reflexo do meu amadurecimento. Quem estiver ao meu lado no caminho, e o que eu possuir, será parte dos meus valores, será parceiro de alegrias e dissabores, será amigo de fé e irmão camarada. Meus relacionamentos e minhas posses têm que ser parte da minha coerência de vida. Se é assim que penso, é assim que faço, e é isso só que tenho.
Queria compartilhar apenas mais dois pensamentos que têm calçado os meus pés enquanto caminho envelhecendo.
Ouvi o Pr. Ricardo Gondin dizer em uma de suas reflexões: “devemos transformar o passado em materia-prima para construçåo de um futuro seguro e de paz, sabendo que Deus é nosso parceiro na jornada de construção da nossa historia de vida.”; e o outro é: “o que não é meu, eu não quero, pois aquilo que não é meu, nunca encherá o meu coração”. (Ed René Kivitz)
Assim, sigo envelhecendo, ou, como dizem os de língua inglesa: “getting old”, sigo ficando antiga.
Deus nos abençoe.
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