Nasci em lar cristão-evangélico, e vivi minha adolescência
por lá, nos idos anos 80. Uma época onde Gospel não era “moda”; cantores
cristãos e padres modernos não habitavam a mídia com popularidade, nem os ritmos das canções chamadas “sacras” variavam além do tradicional americanizado ou abrasileirado no estilo
sertanejo (ainda que imperceptível). Ou seja: bem diferente da atualidade.
Na mesma época, lembro-me perfeitamente que, em determinadas
denominações e seitas, a guerra entre
Deus e o Diabo era conhecida por manifestar-se misticamente no plano físico,
dentro e entre as pessoas da comunidade. Era como se os “crentes” vivessem num
plano paralelo de santidade; santidade esta que se evidenciava forte e pretensiosamente
na aparência de alguns fiéis: não cortavam cabelos, não usavam short, calças
compridas ou saias curtas; não dançavam, nem frequentavam ambientes “mundanos”,
tipo danceterias, festas juninas ou coisas parecidas. Os shows de exorcismos
roubavam a cena da liturgia eclesiástica. Feita para gerar um ambiente de
adoração e contemplação, a atmosfera do culto acabava perdendo o propósito e tornava-se ringue das das lutas entre “deus e o diabo”...
Contemporâneo a todo este absurdo dogmático, havia também uma
febre de “guerra às mensagens subliminares do mal” presentes em músicas,
quadros, jogos, TVs e algumas outras mídias. De lá pra cá, muita coisa
mudou. Saudosismos e nostalgias à parte, ganhamos muito. Mas acredito
que ainda existe um longo caminho a percorrer.
Recentemente, chegou ao Brasil a tão esperada febre do
PokemonGO – algo mais ou menos assim: um
joguinho que se vale da câmera dos smartphone, GPS e mapas reais das cidades
para trazer a sensação de que o mundo real se une ao virtual espalhando
“monstrinhos” esperando para serem caçados. O lançamento do aplicativo trouxe à
tona uma série de notícias bizarras nas redes sociais. Novamente o universo espiritual está sendo evocado como a grande
mente engenhosa por trás do jogo. Nessas notícias, PokemonGO virou ferramenta de
alienação e terrores noturnos infantis, influência diabólica, uma nova porta
aberta para entrada do mal nos lares!
É impressionante como reduzimos o Divino e as coisas
espirituais ao tamanho de nosso cérebro, neuroses, visão curta, distorcida e
descabida!
Sempre que me deparo com eventos desse gênero, lembro-me das
mensagens subliminares e os muitos outros
“demônios” que aprendi evitar desde pequena para não ser “contaminada” e
receber a tal marca da Besta! E o que isto fez de bom por mim? Ouso dizer que minhas maiores e mais doloridas
quedas na caminhada teve a ver com o que não me contaram, com o que não me
deixaram ver e ouvir, e não me explicaram.
Os quadros com monstros escondidos, os discos tocados ao
contrário e o medo de “errar com Deus” não me tornaram um ser humano melhor,
nem mais espiritualizado. Infelizmente acabei errando muito para conhecer parte
do que de Deus eu pude conhecer até hoje, e que ainda me parece tão pouco...
Queria ter errado
menos, mas não foram as mensagens subliminares as responsáveis por
minhas fraquezas, nem qualquer outro aparente tropeço; fui eu mesma, meu ego,
meu livre arbítrio, minhas escolhas. Mas... Como Deus é muito maior do que
nossos conceitos arrumadinhos, foi justamente nos desvios da estrada e nas
experiências humanas (e não com monstrinhos virtuais) que fui aprendendo sobre
o bem e o mal, sobre perdas e ganhos, sobre chorar e sorrir...
Queridos, todos estes nossos conceitos são fruto de limitação
humana. O próprio Jesus disse: “...seus
ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens. Ouçam e entendam: O que
entra pela boca não torna o homem mal; mas o que sai de sua boca, isto sim o
torna mal ". (Mateus 15:8-11)
A tecnologia ainda nos reserva muita coisa que nos deixará boquiabertos -
refiro-me a minha geração. Não temos que
necessariamente nos assustar com isto, mas podemos inclusive nos encantar, e
usufruir o quanto der, e nosso cérebro idoso conseguir atingir!
Eu acredito que a solidez e o equilíbrio das futuras gerações (e até de nós mesmos) não
está nas novidades cibernéticas e nos avanços tecnológicos! Na minha opinião, gente
feliz é gente resolvida, que se aceita, se ama e respeita, e que ama e respeita
o outro; e só sabe amar quem recebe amor, pois só se aprende profundamente o
que é experimentado.
“Conte-me, e eu esqueço. Mostre-me e eu apenas me lembro.
Envolva-me e eu compreendo” (Confúcio)
Quem ama, envolve, ensina e aprende, e vive em paz. E quem
vive achando diabo em tudo, definitivamente não vive em paz.
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