Já fui remunerada para ensinar as pessoas sobre escrever corretamente, e ainda vejo valor e uso apropriado para isso. Mas já há algum tempo venho me sensibilizando com os “falares” do povo, e refletindo quão “classe dominante” esta prática pode parecer.
Registrar graficamente correto uma expressão é uma cobrança quase cruel, e rouba do falante o tom e o valor do tão na moda “lugar de fala”.
Somos prepotentes com a linguagem que adquirimos por sorte ou consequência social, acadêmica, de privilégio, ou coisa semelhante.
Esquecemos (ou não sabemos) que até chegar a ser estabelecido como correto, o uso das palavras nasceu, viajou e morou em muitas bocas, tribos, e classes; e só então, ao se tornar parte legítima de um grupo linguístico expressivo, essas palavras foram incorporadas e registradas em dicionários, e corrigidas pelos falantes “cultos”.
Faz tempo que parei de criticar quem escreve errado. Entendi que o fluir do pensamento é o que mais importa, e que isso é um direito natural do ser: expressar-se; e só por isso chegamos às artes, às literaturas, e a língua institucionalizada como culta.
As redes sociais tornaram as pessoas potenciais blogueiras da noite pro dia. Cada um tem lá o seu momento celebridade nas fotos do seu perfil, em suas receitas, e em seus “dizeres”. Eu mesma sou uma dessas pessoas. Acontece que a internet é um recurso traiçoeiro, porque nos passa a falsa impressão de que temos o mundo nas telas e na ponta dos dedos, mas faz com que nos sintamos falsamente protegidos por não estarmos presencialmente expostos, e alimenta nossa coragem voraz e nossa covardia inconsciente.
No meio de tudo isso, surge tudo que temos visto escandalizados nos últimos tempos.
Mas acontece que, curiosamente, em meio a tanta vergonha alheia, existe uma pequena chama de coisas interessantes, de conteúdo, que muito provavelmente uma editora não publicaria, mas que encontra neste espaço a sua oportunidade de compartilhar, ecoar e verdadeiramente abençoar a muitos.
Por exemplo: alguns ilustres desconhecidos têm curtido minhas postagens no Instagram, e eu, por curiosidade, fatalmente, vou dar uma sondada no perfil deles. Como descobri coisas legais!
São pessoas que seguem hashtags
(olha só aqui o neologismo registrado sei lá como!) que eu coincidentemente
coloquei nas postagens, e se interessam por coisas que eu também me interesso.
Perfeito. Faz sentido. Mas, para minha
surpresa, encontrei tanto conteúdo e sentimentos bonitos e válidos em textos “mal
escritos”. Opa! Não! Digamos, textos “escritos fora do padrão da norma culta da
língua portuguesa”. Isso é justo? Não. Não é justo.
Daí vocês me dirão: mas um político com cargo de Ministro da educação escrever errado? Minha gente, convenhamos: oxalá ele só escrevesse errado!!!
Conheço efeitos contrários aos
montes por aí. Gente que articula um discurso eloquente e de palavras difíceis,
mas que carrega uma polidez diabólica, e que usa a ferramenta linguística a
favor de seu despotismo, de seus crimes e seduções. Isso também não é justo!
Estou num momento de rever muitas coisas, dentre elas, inclusive nossos preconceitos relacionados ao aprendizado normativo que muitos tivemos, e o mesmo em relação à enormidade de conteúdo humano perdida por este mundo afora debaixo de falta de recursos de duplo sentido: luz, voz, linguagem, atenção; e todos os demais já socialmente conhecidos: acesso, ensino, estrutura, saúde, etc.
No momento, não consigo ajudar diretamente essas pessoas, mas vou começar não julgando os falares e as grafias. É o mínimo. Quem sabe pode ser transformador?!
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