quarta-feira, julho 21, 2021

QUEM CONTA UM CONTO...

 


Já ouviram o provérbio: QUEM CONTA UM CONTO AUMENTA UM PONTO ?

Pois é.  Os ditados populares costumam carregar realidades bem interessantes em seu conteúdo rápido de informação.  

Cada contador de história possui um filtro. E esse filtro é inevitável, natural. Que filtro é esse?

Qualquer situação, mesmo a mais evidente, ao ser reportada, vai ter versões diferentes. Na melhor das hipóteses, vai variar a linguagem, o sotaque, o estilo – uns mais detalhados, outros mais assertivos. Isso se deve a um filtro natural das idiossincrasias pessoais.

Por exemplo: Quando a gente mostra a mesma imagem para pessoas diferentes, e pede para que descrevam o que estão vendo, por mais semelhantes entre si, teremos impressões e comentários diferentes.

Os filtros não necessariamente adulteram a história, eles costumam apenas revelar foco, preferências e tendências de cada um sobre fatos, imagens, sobre o outro, etc. O temperamento, por exemplo, costuma ser um filtro, influenciando o modo de assimilar situações, interpretá-las, e, consequentemente, traduzi-las na hora de relatar.

Um outro filtro importante sobre contar histórias é a memória e o lado que o narrador se encontra. Talvez este não seja um filtro 100% natural, automático, mas é condicional e relevante.

Vamos imaginar: Se, num determinado contexto – pode ser um jogo, um campeonato, um concurso ou mesmo uma luta pessoal, com um projeto, ou uma doença, enfim, seja o que for; se você sair dessa experiência como vencedor, a sua história vai ter um estilo, uma carga de energia e uma memória emocional sobre o que aconteceu diferente de quem porventura perder. A retórica de quem sofre e não vence tem um tom diferente, ainda que discreto, pois as sensações envolvidas são outras.

Mas onde eu quero chegar com esta reflexão?

Eu gostaria que vocês acompanhassem meu raciocínio sobre a necessidade de sermos flexíveis no entendimento da História, sim, com H maiúsculo. E quais histórias seriam?

A História da Criação e evolução do Mundo, a História do Brasil, a História da Religião, histórias que não são da Carochinha*, que são histórias importantes para nossa identidade e referência humana, social e pessoal, mas que, inevitavelmente, também sofreram o processo do “ponto aumentado”, aliás, dos pontos! Ponto dos temperamentos, das impressões pessoais, das interpretações, do lado (perdedores e vencedores contaram e contam muitas histórias), e por aí vai...

Vocês percebem quão relevante é compreendermos que não existem verdades absolutas no conhecimento que a gente adquire por meio de nossas heranças históricas, quaisquer que sejam elas?

Vejam quantas coisas envolvidas num simples processo de fazer uma história seguir adiante! É impossível termos consciência da possibilidade de tantos filtros, considerando todos os cenários, e, ainda assim, acharmos que o fato como nós ouvimos (ou aprendemos) nos foi passado em sua integralidade, que a versão que nós temos é a correta. É o velho e divertido “telefone sem fio que a gente vive na micro experiência social da brincadeira, projetado no âmbito histórico extraordinário.

A gente pode (e é “de bom tom”) ter opinião e conhecer as teorias sobre as coisas, mas isso não revela a inteireza dos fatos. Algumas teorias são opiniões relevantes de estudiosos, em suas respectivas áreas; e elas são muito importantes, agregam valor ao nosso processo de entendimento sobre variados assuntos, e devem ser ouvidas, consideradas e discutidas. Elas podem inclusive servir de norte, de direcionamento para escolhas e formação de uma opinião. Um estudioso numa determinada área ou tema geralmente é chamado de “Líder de Opinião”, justamente por ser natural essa relação de troca, inspiração e fonte de conhecimento e aprendizado no desenvolvimento humano.

Viver é como montar um enorme quebra-cabeça em grupo. Aos poucos, as coisas vão se encaixando, mas sempre estaremos diante das peças soltas. Mesmo para aqueles que julgam saber a solução da imagem final (porque viram na tampa da caixa), as peças ainda estão espalhadas, e a vida, como conceito e essência, não tem uma caixa exclusiva para cada ser vivente, ela é única como fonte, e somos todos parte de seu imensurável “todo”.

Posicionamentos extremistas, partidários e rígidos sobre experiências que não foram empiricamente nossas, situações que não vivemos – individual ou coletivamente – não revelam verdades, revelam uma predisposição de não querer continuar descobrindo as peças, de não se permitir aprender com o processo; isso é, de certa forma, o que a gente tem ouvido repetidamente nos últimos tempos: o famoso negacionismo.

Mas segue sendo de suma importância que histórias sejam contadas, e ouvidas. É assim que se constrói uma raça, uma sociedade, uma herança cultural, a nossa história.

 Por isso é tão importante ouvirmos versões diferentes, e não tomarmos nenhuma versão por nossa, exceto se for realmente algo muito pessoal, e, portanto, “nosso”, no sentido de vivido em nossa pele e alma. Sempre lembrando que o relato da experiência é autoral, e que a apuração dos nossos ouvidos para histórias - e para a História – é um indício de sabedoria. Considerar minhas verdades como incondicionais e soberanas é como desistir do jogo, é negar a fonte inesgotável de aprendizado que a vida coletiva nos oferece.

O ideal seria que, ao ouvir um conto, pudéssemos nos manter equilibrados sobre a atenção merecida, com a devida empatia (inclusive pelos prováveis filtros), e a consciência de que podemos estar diante de mais uma “pista” do enigma da vida – que pode ser usada ou descartada, conforme a sutileza ou a aberração dos pontos aumentados.

 

 


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