sábado, abril 30, 2022

Política não se Discute?

 

Política, futebol e religião são assuntos polêmicos, e muita gente diz que “não se discute”.

Para início de conversa, nasci filha caçula, num lar cristão evangélico. Segundo detalhe: minha mãe foi funcionária pública, diretamente alocada em repartições de gestões governistas da região onde morávamos.  Logo, inevitavelmente, tive uma infância rodeada de políticos e de religião. Contudo, por mais que fosse uma relação de acordos e interesses subliminares sempre presentes, na dimensão visível, aparente, as esferas se auto geravam em suas respectivas práticas e costumes. Talvez eu pudesse dizer que sempre se beneficiaram, mas não esfregavam sua prostituição no nariz do povo, como quem exibe promiscuidade na rua.

Assim, desde que me entendo conscientemente como indivíduo, o modus operandis da política e da religião me avizinhava, e comprometia (e muito) meu modelo de vida na época.

Nada mais orgânico do que a intensidade da adolescência e da juventude potencializar essas influências, numa extremidade ou em outra, ou seja, como antagonista ou como partidária.

Ah! Esqueci de mencionar que meu pai sempre foi um aspirante a político frustrado. Ele tinha potencial, e teria tido oportunidade, não fosse a ditadura matriarcal familiar em que vivemos. Embora inserida no metiê, minha mãe nunca considerou apoiá-lo. Tinha lá os seus motivos e receios. Não vou entrar no mérito. Mas meu pai era estudioso, gostava demais de história, concluiu seus estudos já na fase adulta, e adorava uma oportunidade de mostrar que “entendia de política”.  Mesmo sem perceber, a caçulinha ia sendo contaminada pelas ideias, pelos discursos fervorosos, e, também - meio que por osmose - ia juntando os ingredientes do que era visto, ouvido e assistido.  Vale registrar a pouca coerência dos fatos.

Mas, e “quico”? O que é que eu tenho a ver com isso?

Olhando de frente para trás, daqui onde estou, acho que tenho uma leve noção de como esse histórico me afetou.

Viver num ambiente político religioso desde cedo, com o meu perfil observador e analítico, mesmo sem PNL (Programação Neurolingística), me habilitou para identificar alguns estereótipos, e atestar alguns princípios e convicções básicos. Exemplo: não espere coerência e integridade de políticos – sejam eles religiosos ou não.

Outra percepção que tenho é que o estilo comunicativo, sedento de conhecimento, e frustrado com a política que caracterizava meu pai, o colocava num posicionamento esquerdista, e por isso mesmo sempre munido de alternativas e contrapontos interessantes a respeito do momento político. E, como não existia rede social, era à mesa, ou no sofá, diante da TV, que as discussões aconteciam.

Por conta desses momentos de discussões, e por conta de algum dispositivo pessoal (imagino que isso também influencia), tornei-me uma fiel militante do PDT na adolescência. Sabe de uma coisa? Eu era mesmo é Brizolista. Rsrsrsrsrs

Daí em diante, minha trajetória seguiu sempre na via alternativa antigovernista. O que era praticamente inevitável para a época, visto que vivi minha adolescência durante o governo militar, e minha juventude - passando inclusive pelos meus tempos de faculdade – foi todo envolvido pelo movimento DIRETAS JÁ. 

Qual o saldo disso hoje para mim?

Tive experiências boas e ruins em todos os cenários. As boas não foram de natureza estritamente relacionada aos ambientes, portanto não foram suficientes, ou eficientes, para me fazer seguir. O que eu quero dizer é que o que eu vivi de bom na igreja e no ambiente de funcionalismo público eu trouxe comigo para uma outra dimensão de vida. O que me prenderia nesses sistemas é justamente o que deles não me representa.

Se eu estivesse escrevendo um livro, talvez coubesse relatar, caracterizar e analisar cada situação, mas este não é o meu foco. Estou apenas compartilhando uma reflexão em forma de panorama, com o objetivo de tentar fechar meu próprio raciocínio sobre os posicionamentos extremistas atuais, os aspectos não fundamentados que os identificam, e a rigidez dos celeiros da religião e do tradicionalismo que tem nos destruído. 

Futebol e religião, em tese, estão associados a questões intangíveis, que flertam com a paixão, com a irracionalidade, com sentimentos e experiências pessoais no âmbito inclusive de tradições e legados familiares de cunho emocional. Obviamente, sempre há espaço para considerações lógicas e congruentes, mas acaba sendo tolerável o extremismo, o  tal “não se discute”, em função da sensibilidade de sua nascente afetiva. 

Mas a política, ainda que igualmente polêmico - e controverso, e causticante - deveria ser mais que discutível, deveria ser conteúdo obrigatório na educação. Não para catequizar vertentes e posicionamentos, mas para semear conhecimento, ampliar a visão, alimentar o raciocínio, fundamentar a argumentação e encorajar uma discussão ética desde cedo. Mas sinceramente não sei se posso afirmar que isso é possível, considerando as peculiaridades do mundo digital, e da dissolução de sentido que tem feito derreter valores eternos e inegociáveis, e nos feito escorregar neles. 

Mas, voltando ao saldo, eu tenho hoje a seguinte opinião:

Política, em sua essência (embora totalmente perdida), não é time de futebol, e também não é uma religião; mas ela flerta sim com tradição, até com alguma paixão, e com muita experiência e conhecimento adquirido nos ambientes dessa experiência. Mas, acima de tudo, o assunto, em si, é feito pra ser discutido, refletido, considerado, e, se fizer sentido, também descartado; porém sem idolatrias, sem torcida organizada, sem celeiros, porque a política como conceito deveria ser uma ferramenta para promover mudanças e soluções em benefício dos povos,  cidades e nações. 

Entretanto, infeliz e paradoxalmente, “o político” segue sendo aquela figura que fatalmente será persuadido na sua ética frágil, que nos decepcionará, que se decepcionará, ou que se fartará do seu ego, e assumirá sua ganância e potencial demoníaco.

Na melhor das hipóteses, uma consciência política genuína incentivada nos ajudará no sentido de estarmos capacitados para exercer o papel cidadão de fiscalizar, reivindicar, se manifestar e votar sempre que possível para mudar o que não mostrar resultados; observando a história, o Curriculum Vitae, e a ética, mesmo frágil, mas que se revela justamente na história, no CV, e no discurso improvisado -  geralmente a boca fala do que o coração está cheio.

Decepções sempre virão.  Mas, como diz o ditado popular: “errar é humano, mas permanecer no erro... é burrice.

 Avante, pessoal! ;)

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